logotype

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 Cordas, Ordem e Tempêro

 

Em geral as cordas são de metal, mas já houve tempo em que se fazia corda das tripas de mico, macaco, coati e até ouriço. E houve muitas violas cujas primas, segundas e terceiras e contra-canotilho eram de origem animal. Antigos violeiros de Tietê afirmaram ser excelentes. Ouvimos também no litoral tal afirmação. Antigos violeiros inquiridos nessa região, contaram-nos que eram muito mais duráveis, pois as metálicas, devido ao ar marinho, enferrujam facilmente. Hoje os cordas são de seda e até de nylon.

 

Quanto a ordem das cordas da viola, indicaremos o de uma encordoada por violeiro destro e não canhoto, conforme clichê publicado em número anterior. Por exemplo, numa viola piracicabana, um mochinho de Borbosão do Centro de Folclore de Piracicaba, certa feita anotamos o material das cordas: canotilho de seda e a companheira do conotilho era de metal amarelo nº 10; toeira (ou tuêra) era de aço, coberta e a companheira era de metal branco nº 9; a contra-turina e turina eram brancas (isto é, aço) de nº 9; a contra-requinta, branca n.0 9 e a requinta, amarela n.0 10, e finalmente, contra-prima e prima eram de aço, branca n.0 10.

 

Alguns caipiras guardam ainda o termo folclórico para designar as cordas de aço nº 9 e 10, chamam-nas de verdegais, o que nos fazem lembrar o nome das cordas da guitarra portuguesa. Aliás, a origem dos nomes das cordas nos dizem que o vocábulo conotilho vem do italiano "canatiglia". Toeira vem de toar, isto é, dar som forte, soar. E' o mesmo nome usado na guitarra, são as imediatas aos bordões. A toeira é a corda que tem som forte. A requinta é além de uma espécie de clarinete de som agudo, a denominação de viola ou guitarra, pequenas, muita menores do que essas comuns nossas conhecidas, assim do tamanho do mochinho piracicabano. João Chierini pode orgulhar-se de ter uma das mais completas coleções de "requintas" no Centro de Folclore Piracicabano. E a turina, donde virá? De Turim? Não. Analogicamente sua origem deve vir de turi, espécie de clarim usado na Índia durante o cerimonial da cremação. E dizem os violeiros que os turinas são as cordas mais chorosas da viola!

 

 Tomam cuidados especiais para que a viola, quando guardada não fique com as cordas encostadas à parede porque ela "constipa", isto é, se resfria. A umidade enrouquece a corda.

 

Duas causas fazem a viola sofrer: calor ou frio intensos. No entanto, ela é muita mais sensível ao mau olhado e a inveja que destemperam a viola, e jamais pegará afinação. Para evitar, usam dentro da caixa de ressonância, um pequeno galho de arruda, lasca de guiné, dente de alho. E para dar eletricidade às cordas, maior sonoridade, só o guizo de cascavel. É, e não resta dúvida, magia simpática. E violeiro que se preza não se esquece de colocar um guizo de cascavel em sua viola.

 

Tempero é a afinação. Esta varia muito. Dizem alguns caipiras paulistas que há vinte e cinco afinações diferentes. Mas o número 25 para eles significa imensidade, o incontável, multidão. Conhecemos as seguintes afinações para violas da serra-acima paulista:cebolão, cebolinha, ré-abaixo, castelhana, quatro-pontos, oitavado, tempero-mineiro, tempero-pro-meio, guariano, guaianinho, guaianão, temperão, som-de-guitarra, cana-verde, do sossego, pontiado-do-Paraná.

 

A preferência pelas afinações varia muito. Para cantar moda, a melhor afinação é o quatro-pontos e para cururu é afinação cana-verde. Cebolinha é boa também para moda. Cebolão é muito usada para dança do cateretê. Os violeiros mais jovens, e muitos dos que hoje militam nos rádios não conhecem tais afinações, suas violas são afinados como violão. Para moda de viola, na região do médio Tietê, os violeiros usam estas afinações: cebolão, quatro-dedos, castelhana ou três-pontos-da-viola e ré-abaixo. No cururu, nesta mesma região, notamos a preferência pelas cebolão e ré-abaixo, principalmente nos pousos do Divino nas imediações da cidade de Tietê.

 

Em Taubaté, a afinação usada para dançar o cateretê é: fá sustenido, si, mi sustenido, sol sustenido, dó sustenido.

 

O cebolão, também boa afinação para sapateado é: ré, sol, si, ré, sol. A cebolinha (simples), boa afinação para cantar moda, e, pestaneando no segundo trasto é ótima afinação para sapateado é: mi, si, mi, sol sustenido e si. A cebolinha (três cordas), ou ré-acima ou cebolinha-pelo-meio, muito usada para execução de solos musicais é: ré, sol, ré, fá sustenido e lá. A cana-verde ou cururu: ré, sol, si, mi, lá. O oitavo ou pontiado-do-Paraná ou guitarra, outros nomes de tal afinação é ótima para fandango e muito usada para pontear uma moda: ré, sol, dó, fá, lá sustenido. Do sossego, também chamada castelhana porque é mais comum usar somente ao tocar, as três primeiras cordas: ré, fá sustenido, lá, dó sustenido, fá. A Quatro-pontos, generalizada nas rádios é como a afinação do violão: lá, ré, sol, si, mi.

 

Luís da Câmara Cascudo - o papa do folclore brasileiro - assinala outras afinações em "Vaqueiros e Contadores", isto lá no nordeste: mi, si, sol, ré, lá e si, fá, ré, lá, mi.

 

Oportunamente daremos as afinações bem como as respectivas primeira, segunda e terceira posições.

 

Duas são os maneiras ou posições de segurar a viola: a posição profana e a sagrada. Naquela, o viola fica apoiada no ventre ou mesmo repousa sobre a perna (coxa) do tocador quando sentado. Na posição sagrada, é tocada tão somente em pé, ficando a viola apoiada no colo, senda que o queixo (mento) do violeiro repousa sobre o instrumento. Em geral, quando na posição religiosa, o violeiro fecha os olhos ao dedilhar a viola.

 

Estas denominações de profana e religiosa que propusemos para as duas posições características de segurar a viola, valem apenas para a região paulista, para a paulistânia. Em nossas andanças pelos 4 ventos do Brasil, em 1951, 1952, 1953, quando estivemos no centro, norte e nordeste, tivemos oportunidade de verificar que a viola é empunhada diferentemente da maneira de nossos caipiras e caiçaras bandeirantes.

 

O geral, o comum é segurar o braço da viola com a mão esquerda e com a direita dedilhar as cordas. Das várias maneiras de planger as cordas da viola ou "pinicar" como genericamente se referem a esta ação, podemos destacar a mais delicada, maneirosa e suave delas, que é o ponteio, "jeito choroso" para acompanhar as modas de "causos" e "assucedidos" que provocam enternecimento e até lágrimas, bem como o riscado para acompanhar as músicas de cunho religioso como sejam as de folia do Divino ou de Reis, dança de São Gonçalo. Há as maneiras vigorosas usadas em geral para danças: batidas e rasqueado e o maião (malhão, vem de malhar, bater), toque característico do cururu.

Hoje, por causa do descobrimento das maneiras de dedilhar a viola, tais denominações tornaram-se gêneros: rasqueado, batido, ponteio, maião. E tais males são recente, oriundos da improvisação de nossos locutores que, por ignorância ou avidez de apresentar novidades, generalizam tudo.

 

2024  Casa dos Violeiros