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                             Canal de Notícias

A Casa dos Violeiros mantendo você sempre informado. Acesse e saiba sobre tudo que acontece no mundo da viola caipira.

 


MANCHETES


MANCHETE DO DIA 11/08/2024


Livro "Brevis Articulus".

Baixe o livro gratuitamente! LEIA! REFLITA! E, na medida de suas possibilidades, faça uma contribuição espontânea pelo PIX 51027616600, para a continuidade deste trabalho único na História. Clique na foto para ir ao link do dowload.


MANCHETE DO DIA 22/06/2024



MANCHETE DO DIA 23/04/2024


23 de Abril — Dia Mundial do Livro é uma data escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para celebrar o livro, incentivar a leitura, homenagear autores e refletir sobre seus direitos legais. Essa data foi escolhida em tributo aos escritores Miguel de Cervantes, Inca Garcilaso de la Vega e William Shakespeare, que morreram em 23 de abril de 1616.

Parabéns a todos os meus queridos irmãos, amigos e Confrades escritores.


MANCHETE DO DIA 19/04/2024


SAUDAÇÃO A CLEBER TOMÁS VIANNA

*Helio Pereira Leite

Nesta sexta-feira de abril (19/04/2024), dia do Índio no Brasil, irei saudar um grande homem, um cidadão cujo coração é sensível ao bem, um ser multifacetado em sua essência, Obreiro da Arte Real, músico, cantor, compositor, instrumentista musical, professor de viola caipira, escritor, pesquisador, palestrante, empresário, nascido em 22 de julho de 1954 na cidade de São José do Rio Pardo, São Paulo.

Falo do respeitável irmão maçom CLEBER TOMÁS VIANNA, nascido no seio de uma família de artistas, por isto cedo se entrosou com os violeiros Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Luizinho e Limeira, Palmeira e Bia, Ranchinho segundo, Dino Franco e Morais, entre outros.

Com excelente repertório musical e formando o duo "Cleber e Roserli" gravou um Long Play "Esquina do Mundo", viajando pelo Brasil, gravando clipes em várias emissoras de TV brasileiras.

Criou a Casa dos Violeiros, com o propósito de congregar em seu seio, violeiros, amantes e aficionados pela Viola Caipira, através do site www.casadosvioleiros.com, onde se divulga de forma ampla, a história da viola e dos seus principais expoentes, os grandes violeiros que fizeram a história da Viola Caipira.

No ambiente maçônico é Mestre Instalado, iniciado em 24 de junho de 1979, na Loja Independência nº 119, GLESP, Mestre Maçom da Marca, Membro titular da cadeira 15 da Academia Maçônica de Artes e Letras da Bahia, Grande Inspetor Geral da Ordem, Grau 33 dos Ritos Adonhiramita e Escocês Antigo e Aceito e Grau, 9 último do Rito Moderno. Atualmente é membro da Loja Maçônica Cavaleiros do Delta, nº 4544, Rito Brasileiro, e Membro Fundador da Loja Valmir Tavares de Sales, nº 4832, Rito Moderno, ambas Jurisdicionadas ao GOB-PI e Federadas ao GOB – Grande Oriente do Brasil.

Portador de várias comendas maçônicas exerceu o cargo de Venerável Mestre das Lojas, “O Grito do Ipiranga”, nº 240, GLESP, “Solidariedade”, nº 3348 e “Verdade Libertária”, nº 3497, em Salvador/BA. Foi Delegado do SCRM - Supremo Conselho do Rito Moderno para os Estados da Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Piauí, e Secretário de Orientação Ritualística, Adjunto para o Rito Moderno, e Grande Secretário Geral de Orienta

ção Ritualística do Grande Oriente Estadual da Bahia, GOB-BAHIA, e por fim, Deputado Estadual da PAELBA.

Autor e coautor de vários livros sobre maçonaria, conta com inúmeros artigos publicados em revistas maçônicas brasileiras e de outros países. O irmão Cleber Vianna têm vários reconhecimentos maçônicos pelo relevante serviço que prestou e presta à Maçonaria no Brasil.

Na pessoa de quem saúdo todos os maçons brasileiros que fazem da música e do instrumental musical a sua razão de ser e de viver, levando a alegria e o devaneio para seus admiradores maçons e não maçons.

Saúdo todos os irmãos que conviveram e convivem com o Irmão Cleber Vianna, pelos Orientes Maçônicos por onde passou e onde se radicou, até os dias atuais. 

Ao respeitável irmão e amigo Cleber Vianna, os meus respeitos e elevada admiração, por tudo que fez econtinua fazendo pela Viola Caipira e pela Maçonaria no Brasil, que o elevou à categoria de cidadão notável e prestante a sociedade brasileira, um exemplo de honradez e retidão de caráter para os 0breiros   da Arte Real, no Brasil, que já estão na seara maçônica há muito tempo e para os que estão chegando, para conduzir a chama da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, para honra e glória do Grande Arquiteto do Universo (Helio Pereira Leite, Escritor, Grão Mestre de Honra do GODF, Conselheiro do GOB).


MANCHETE DO DIA 14/04/2024


MÉTODO PRÁTICO DE VIOLA
CAIPIRA AFINAÇÃO RIO ACIMA.
 
 
A origem da afinação “Rio-Acima” é uma continuação da lenda do violeiro misterioso. Impressionados com o toque mágico do violeiro que descia o rio com sua viola, os violeiros do povoado desceram o rio atrás do violeiro tinhoso para descobrir o segredo daquela mágica afinação. Porém, o violeiro desapareceu na primeira curva de rio, levando consigo  o mistério da afinação mágica chamada de Rio-Abaixo. Tristes por não descobrirem o  segredo, os violeiros do povoado subiram o rio entoando suas violas em um tom triste e de  lamentação, dando origem à afinação Rio-Acima. Podemos encontrar muitas composições  feitas com afinação Rio-Acima, como algumas músicas do disco “O Canto das Cordas”, do  violeiro Mauro Albert.

MANCHETE DO DIA 04/03/2024


Olá, tudo bem?

            A viola caipira é retratada na exposição multidisciplinar "Nos Braços do Violeiro" que estreou no último dia 24/02, na Casa Lebre, em Bragança Paulista, com a participação de violeiros convidados. A mostra gratuita ficará na cidade até abril e contará com evento especial dia 23 de março. Depois circulará por 5 cidades do Estado de São Paulo: São José dos Campos (de 27/04 a 25/05); Botucatu e Pardinho (01/06 a 10/08); São Luís Paraitinga (31/08 a 21/09) e Campinas (28/09 a 20/10)

           Com curadoria de João Carlos Villela, a mostra é sobre "A Viola Encarnada: Moda de Viola em Quadrinhos", um romance gráfico inspirado em mais de 80 canções do repertório caipira, com roteiro e artes visuais do desenhista, músico e educador Yuri Garfunkel.

              Aliás, o artista mora na região de Bragança e está disponível para entrevistas caso interesse a pauta. E já fica o convite para visitar a exposição! Desde já, agradecemos sua atenção e estamos à disposição.

Um abraço e excelente semana,

 

Ellen Fernandes

EBF Comunicação

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(11) 99189-0354//(11) 4525-1698

 

Exposição 'Nos Braços do Violeiro' mescla música caipira, história em quadrinhos e arte contemporânea e ficará até abril em Bragança Paulista

Contemplada pelo ProAC, produção de Yuri Garfunkel com curadoria de João Carlos Villela promove ao público a oportunidade de mergulhar no universo criativo da obra

            Considerada um dos ícones da música popular brasileira, a viola caipira é retratada na exposição multidisciplinar “Nos Braços do Violeiro” que ficará em cartaz até dia 20/04, em Bragança Paulista, e depois circulará por 5 cidades do Estado de São Paulo: São José dos Campos (de 27/04 a 25/05); Botucatu e Pardinho (01/06 a 10/08); São Luís Paraitinga (31/08 a 21/09) e Campinas (28/09 a 20/10). Com curadoria de João Carlos Villela, a mostra é sobre “A Viola Encarnada: Moda de Viola em Quadrinhos”, um romance gráfico inspirado em mais de 80 canções do repertório caipira, com roteiro e artes visuais do desenhista, músico e educador Yuri Garfunkel

A estreia da exposição gratuita “Nos Braços do Violeiro” foi no último sábado(24/02), na Casa Lebre, em Bragança Paulista, com a presença dos idealizadores, Yuri Garfunkel e João Carlos Villela; roda de viola com o músico Lula Fidalgo e participação das violeiras Mel Moraes, Ruth Rubbo, Marina Ebbecke, o violonista Rafael Schimidt e o violeiro Gabriel Souza, além do Duo Música de Interior com Aniela Rovani e Rafael Cardoso. Foi uma verdadeira festa para celebrar a cultura caipira, a viola, a arte contemporânea. 

De acordo com Yuri Garfunkel, a vontade inicial da Viola Encarnada era traduzir o universo da música caipira para a linguagem dos quadrinhos e das artes visuais. “Criar um ponto de vista pra diálogos contemporâneos com a nossa cultura. A estreia da exposição concretizou essa vontade. Foi um grande encontro de pessoas interessadas em participar desse diálogo e um primeiro passo muito especial pra circulação que faremos durante esse ano”, declara Garfunkel.

Próximo evento

No próximo dia 23/03, a partir das 17h, os idealizadores da exposição ‘Nos Braços do Violeiro’ promoverão uma roda de prosa sobre os processos de criação e curadoria, e exibirão o curta-metragem “Xangri-lá – A história de Quinzinho Vilela” (BRA | 2020 | Doc | 12 min), dirigido por Mário de Almeida, da Maravilha Filmes.  Quinzinho Viola é um poeta e violeiro de São Francisco Xavier, no interior do estado de São Paulo.

Criado na zona urbana de Caçapava, sempre procurou estar em contato com a sua identidade caipira, a natureza e as coisas simples. Com cenas documentais e ilustrações animadas feitas por Yuri, que também compôs a trilha sonora, o curta-metragem narra a história de migração de Quinzinho em busca de seu ideal de vida. A entrada é gratuita. O evento seguirá com uma roda de viola.

Interação do público

Na exposição interativa “Nos Braços do Violeiro” ,o público terá a oportunidade de apreciar as páginas originais da HQ premiada pelo ProAC 2019, com introdução escrita pelo violeiro, professor e pesquisador Ivan Vilela e indicada ao prêmio HQ MIX na categoria Melhor Adaptação em 2020. Umas das propostas da mostra, contemplada pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) Circulação,  da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado,  é promover a interação do público com os processos criativos do artista. 

Desta forma, além do contato com os originais da obra e seus esboços originais, o visitante da exposição “Nos Braços do Violeiro” terá acesso à viola física que foi inspirada na viola vermelha de Tião Carreiro e encomendada ao Luiz Armando da luthieria Trevo, exclusivamente para este projeto. Inspirado nesse universo, o público também poderá montar sua própria história em um painel com imãs das imagens da HQ. Oportunidade para soltar a criatividade e fazer parte da mostra.

Para propiciar uma imersão na HQ como um todo, a exposição disponibiliza áudios das mais de 80 músicas do repertório caipira. O material possui recursos de acessibilidade como audiodescrição, textos em braile e em alguns dos encontros promovidos com o público, como rodas de viola e bate-papo, terão tradução em Libras. (Confira a programação abaixo)

Por ser uma exposição multidisciplinar sobre um instrumento singular que marca a nossa história musical, um dos objetivos dos idealizadores é compartilhar o conteúdo com um público diverso, inclusive estudantesuniversitários e grupos de idosos e outros interessados. “Essa é uma exposição que mescla Arte Contemporânea, História em Quadrinhos e Música Caipira, por isso a intenção em cada uma das 6 cidades por onde passaremos é dialogar, trocar e aprender com os agentes locais de cada um desses campos”, explica João Carlos Villela.

“A Viola Encarnada”

Em suas páginas, a obra "A Viola Encarnada' conduz o leitor para uma viagem sonora afinada e cheia de história, a partir de uma viola avermelhada nas mãos de um violeiro e de um vaqueiro, numa jornada que percorre os sertões até chegar na cidade grande, testemunhando a história da música caipira desde suas origens rurais.  

Yuri Garfunkel detalha que a ideia da HQ se formou ao longo de muitos anos ouvindo música caipira. De modo geral, e no gênero Moda de Viola principalmente, ele explica que as canções descrevem narrativas tão intensas que muitas músicas inspiraram filmes. “Mas até agora não conheço outra graphic novel feita a partir desse repertório. Entendi que era um trabalho que poucos poderiam pôr em prática, e mergulhei de cabeça. No final de 2017 eu já tinha clara a estrutura do roteiro, fui a uma palestra do Ivan Vilela e me apresentei a ele que se  interessou imediatamente pelo projeto e começamos a trabalhar”, relembra.         

Garfunkel conta que Vilela sugeriu uma que a história fosse além dos temas mais faroeste previstos inicialmente, com muito boi e bala. “Ampliamos o roteiro com a origem da viola, derivada de instrumentos mouros e vinda ao Brasil com as primeiras caravelas portuguesas, e com a construção da Viola Encarnada, protagonista da história. Para isso, busquei ajuda do Luiz Armando da luthieria Trevo, que construiu efetivamente a viola em um mês! O Ivan também sugeriu outro desfecho para a HQ, que termina na cidade grande, completando todo o trajeto percorrido pela música caipira", comenta Garfunkel.

Programação

Em Bragança Paulista a exposição ficará até o dia 20/04 na Casa Lebre e poderá ser visitada de terça a sexta, das 14 às 18h. Depois seguirá para o Museu do Folclore, em São José dos Campos (de 27/04 a 25/05); MAGMA (Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia), em Botucatu e  Centro Max Feffer, em Pardinho (01/06 a 10/08); Instituto Elpídio dos Santos, em São Luís Paraitinga (31/08 a 21/09) e Centro Cultural Casarão, em Campinas (28/09 a 20/10). 

Os idealizadores contam que a proposta de montar a exposição surgiu durante a pandemia de COVID-19. Em outubro de 2021, “Nos Braços do Violeiro” foi apresentada na A7MA Galeria, na Vila Madalena, em São Paulo, com a realização de bate-papo com o curador e convidados como Xênia França, Lucas Cirillo, Shell Osmo e Renato Shimmi e roda de viola com a participação da cantora e violeira Adriana Farias e dos violeiros Gerson Curió e Inimar dos Reis. Em junho de 2022, integrou a Mostra ‘No Braço da Viola’ no Teatro do Sesc Rio Preto. Na ocasião, Yuri Garfunkel apresentou-se ao lado de grandes nomes da viola contemporânea e ministrou oficinas de criação de HQ a partir de modas de viola. 

 Os idealizadores

Yuri Garfunkel: Artista visual, músico e educador:  Autor dos romances gráficos A Viola Encarnada: modas de viola em quadrinhos, indicado ao prêmio HQMIX 2020 na categoria Melhor Adaptação, e A Outra Anita, sobre a trajetória da pintora Anita Malfatti, lançada em 2022 para o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.  Criador do Sopa Art Br, estúdio de artes visuais, ilustração e design, com mais de 10 anos de experiência em comunicação visual ligada à cultura. Desenvolve seu trabalho a partir de pesquisas na união de linguagens artísticas, relacionando HQs com arte urbana, música e educação. Com quatro exposições criadas nesse conceito, circulou por galerias como Coletivo, Matilha Cultural e A7MA, parques e estações do Metrô de São Paulo, e expôs na Argentina, Itália e Espanha. Como músico, Yuri integra desde 2008 o grupo instrumental Kaoll, com o qual gravou 3 álbuns, realizou mais de 300 apresentações pelo Brasil e uma turnê europeia em 2014. Em 2015 Yuri passou a integrar o grupo Pequeno Sertão de música caipira autoral, com quem lançou dois álbuns, em 2016 e 2021. Como educador, Yuri cria e ministra cursos e oficinas de desenho e criação artística com propostas adequadas para diferentes públicos, de crianças e terceira idade à profissionalização, com circulação no Estado de São Paulo pela rede do Sistema S e centros culturais. 

 João Carlos Villela: Curador, art advisor e produtorAtua há 12 anos no mercado de arte tendo trabalhado como produtor e diretor de vendas em galerias de arte contemporânea do mercado primário. Como produtor, foi responsável por mais de 30 exposições, em galerias e espaços institucionais como o Centro Universitário Maria Antônia e o Instituto Tomie Ohtake. Entre as exposições que produziu estão as de artistas como, Ana Prata, Claudio Mubarac, Elisa Bracher, Fabio Miguez, Oswaldo Goeldi, Paulo Monteiro e Sergio Lucena. Como pesquisador na Art Options, escritório de consultoria de arte, foi responsável pela aquisição de artistas para coleções privadas e para a coleção corporativa do escritório. Desde 2016, como art advisor e curador independente, assessora colecionadores privados e artistas em desenvolvimento de carreira. Curou a exposição coletiva Campo para o Exercício da Liberdade na FUNARTE-SP em 2018, a exposição individual do artista Lumumba no Matilha Cultural em 2018, a exposição Los Silencios sobre o filme homônimo da cineasta Beatriz Seigner no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca em 2019, e a exposição Nos Braços do Violeiro com obras de Yuri Garfunkel em 2021 na A7MA Galeria e em 2022 no Sesc-Rio Preto. Dirigiu e produziu em 2021 os shows Ao Vivo da Mooca e In Goma, do trio instrumental A Timeline, ambos com o respectivo patrocínio e apoio do ProAC SP e do Teatro Arthur Azevedo.

Ficha Técnica ‘Nos Braços do Violeiro':

-Yuri Garfunkel: Artista expositor, músico, coordenação geral
- João Carlos Villela: Curadoria e Produção Artística
- Cris Rangel: Produção Executiva
- Lula Fidalgo: Técnico de montagem e direção musical
- Ellen B. Fernandes: Assessoria de Imprensa
- Mário de Almeida: Registro Audiovisual
Rodrigo Camargo: Consultoria Jurídica

Realização: ProAC

Contato: garfunkelyuri@gmail.com // @yurisopa // facebook.com/yuri.sopa

SERVIÇO:

Exposição “Nos Braços do Violeiro”

Local: Casa Lebre (R. Nícola Ortenzi, 104), em Bragança Paulista
Data: Até 20/04/2024
Horário: De terça a sexta, das 14 às 18h                                                                      
Informações: garfunkelyuri@gmail.com
Entrada gratuita 

Ellen Fernandes

EBF Comunicação
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(11) 99189-0354//(11) 4525-1698


Veja abaixo importantes artigos antigos e os artigos mais novos, veja em:

 VIOLA BRASILEIRA EM PESQUISA

........................................por João Araújo.

 


 

 


MANCHETE DO DIA 24/07/2023


Beaurepaire-Rohan e a distorção do significado de “caipira”

On doit s'honorer des critiques, mepriser la satire, profiter de ses fautes et faire mieuax.

(“Devemos ficar honrados pelas críticas, desprezar as sátiras, aproveitar nossas faltas e fazer melhor”).

[creditado ao poeta francês Jean-Baptiste-Louis Gresset (1709-1777) por Beaurepaire-Rohan, no prefácio de seu Diccionario de Vocabulos Brazileiros, 1889].

Viola, Saúde e Paz!

Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan (1812-1894) foi um militar carioca que começou sua carreira muito jovem e atingiu o alto posto de Marechal do Exército. Descendente de nobres franceses e filho de mãe anglo-portuguesa, teria se formado em Física e Matemática, chegou a presidente de algumas províncias brasileiras e teve vários títulos de honra.

Apesar de seu contato com várias línguas desde sua infância, o que não encontramos é porque o militar e político - então, já “Tenente-General” e com o título de “Visconde Beaurepaire-Rohan” -, entendeu que estaria apto a escrever um Diccionario (transcrevemos grafias como observadas nas fontes); e, principalmente, porque teria se achado apto a criticar estudos “etimológicos” (segundo entendimento dele). Talvez sua justificativa estivesse em afirmação que fez no prefácio: “Parece incrível que a lingua portugueza não tenha ainda um diccionario officiaI, que nos sirva de auctoridade” - onde o sem dúvida grande leitor-pesquisador (pelo menos pelas fontes listadas) parece não ter considerado o trabalho feito por décadas pelo lexicógrafo londrino Rafael Bluteau (1638-1734) - ou, talvez, se referisse apenas à língua portuguesa “falada no Brasil”, descartando a língua portuguesa “de Portugal”.

O Visconde até pontou estudo interessante sobre grafia de termos “da língua Tupi” (que hoje sabemos, seriam do tupi-guarani), mas, no todo, observam-se muitos equívocos e imprecisões em seu trabalho - aliás, como infelizmente é comum em dicionários: há grande quantidade de termos apontados e pouco aprofundamento sobre cada um deles. É preciso sempre consultar dicionários com atenção e refletir bastante. Sobretudo, neste caso, onde o autor não teria sido especialista em linguística, sequer em língua portuguesa: foi um nobre, militar, político e formado em Exatas que quis escrever um dicionário, sabe-se lá por quais motivações pessoais ou políticas.

Para tentar ser mais polidos, sempre que possível tentaremos evitar o termo “equívocos”, principalmente quanto a este respeitável senhor que, inclusive, confessou ter publicado um pouco às pressas o trabalho, por já estar “em avançada idade” e até pediu indulgências e colaborações para pós-melhorar a publicação. Afirmaremos, outrossim, que “entendimentos peculiares” são bastante observados em seu dicionário...

Qual o problema disso?

O problema nunca é de trabalhos terem falhas, pois são publicados por seres humanos: o problema sempre está em outros seres humanos que, a partir de citações “peculiares” (particulares, sem apontar fundamento, etc.) não as conferirem, repetindo-as em cadeia e perpetuando assim conceitos difusos - seja por simples erro humano, por preguiça ou por quererem se aproveitar de uma “peculiaridade” conveniente a algum propósito.

A nós, parece muito clara a mensagem destacada no início: “aproveite as falhas para fazer melhor”: disso, entendemos que tentar “fazer melhor” seja reanalisar um texto com olhar bem atento, checar as fontes que teriam sido utilizadas e acrescentar algo ao já feito antes - muito distante, portanto, do que simplesmente citar o que foi escrito, mesmo que seja agradável. É, portanto, o que fazemos aqui - a começar com informações sobre os autores e a leitura atenta do prefácio de cada obra, que sempre revela muito.

Conforme já citamos no livro A Chave do Baú, o dicionário de Beaurepaire-Rohan entra na cronologia de estudos como o primeiro registro conhecido da distorção histórica do termo “caipira”: este, junto a “caipora”, teria sido utilizado em Portugal e no Brasil desde antes de 1822 como apelido político; daí, a partir da década de 1830, “caipira” seguiria como o único dos dois apelidos, vez que “caipora” já apareceria em dicionários com o significado atual, relacionado a lendas de seres fantásticos. Só a partir da década de 1840 teria passado a também ser utilizado para ridicularizar a classe proletária (“também”, mas não “exclusivamente” como apontam muitos). Este tipo de pejorativo teve registros em várias partes do Brasil, como em São Paulo, onde, durante o chamado “Ciclo do Café”, o proletariado tinha grande representatividade na atividade rural - mas não foi utilizado só em São Paulo e nem só contra os “rurais” (que neste acaso abrangeriam ainda escravizados, estrangeiros e outros trabalhadores).

O “entendimento coletivo” atual, de uma suposta “cultura caipira ancestral”, só tem registros a partir de 1910, pela dedicação do empresário paulista Cornélio Pires (1884-1958), fortalecido, entre outras publicações, por um Dialeto Caipira publicado em 1920 pelo folclorista Amadeu Amaral (1875-1929), primo e depois sócio de Cornélio em uma editora.

O que tem a ver o “u” com a “alça”?

Tem a ver que Amadeu Amaral, em seu citado Dialeto, repete claramente procedimentos não científicos e opiniões apontadas por Beaurepaire-Rohan, a saber, críticas a “etimologistas” sem citá-los nominalmente e, principalmente, sem citar quais os trabalhos criticados, quais as fontes para conferência de suas críticas. Dizemos “não científicos” para não sermos rudes - cada um analise os fatos como achar melhor.

Beaurepaire-Rohan, no já citado prefácio, até chegou a fazer crítica aberta ao trabalho Glossaria Linguarum Brasiliensium, do botânico alemão Carl Martius (1794-1868) - mas em seu verbete sobre o termo “caipira” não citou o alemão, nem ao também botânico, mas francês, Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853). Sem citar os nomes e trabalhos, entretanto, destacou as mesmas conclusões apontadas pelos botânicos sobre “caipora” e “caipira”: que teriam sido gerados depois dos termos realmente indígenas caapora e curupira. Sobre Martius o militar-dicionarista teria desconsiderado que o citado Glossaria é uma publicação com citações em três línguas (alemão, latim e português), além das diversas línguas estudadas e citadas por Saint-Hilaire - além dos estudos destes sobre as línguas indígenas. O principal: o dicionarista desprezou que os estrangeiros apontaram registros de seus vastos contatos com indígenas, de onde teriam recolhido os termos originais. No caso de Saint-Hilaire, este teria chegado a levar consigo dois indígenas para a França, ainda citados em seus relatos pelo menos na década de 1830 - sendo, portanto, um período bastante considerável de contato direto com uma língua indígena, por um professor universitário versado em várias delas.  

Não, não teriam sido estudos “etimológicos” propriamente ditos: entende-se que Beaurepaire-Rohan (e depois Amadeu Amaral) assim os apelidaram como tentativa de diminuir os esforços dos estrangeiros, que notadamente não teriam sido etimologistas. Há neste sentido, nos dias atuais, diversas citações principalmente sobre apontamentos pessoas de Hilaire, que são bastante convenientes para justificar uma “defesa de uma cultura que sofreu preconceito histórico”. Preconceito de europeus quanto a nativos, certamente havia... A questão é: isso muda os registros e os estudos tão bem referenciados cientificamente que ainda podem ser checados?

Na verdade, os estudos sobre os termos teriam sido recolhas e pesquisas de cientistas experientes em diversas línguas, por seus contatos diretos com indígenas. Ao invés de considerar a legitimidade destes tipos de fontes, a escolha dos brasileiros foi (e ainda é, às vezes) por outros significados, fantasiosos, apontados em dicionários por também não-etimólogos, cheios de opiniões e teorias agradáveis mas sem indicação precisa de fontes nem desenvolvimentos.

Deu para entender? Por algum motivo, desprezaram-se os apontamentos dos estrangeiros, não lhes citando os nomes e trabalhos, tirando sarro de suas capacidades, etc. Isto é fato. Os motivos destes tipos de ações, repetidas ainda nos dias atuais, não podemos provar; talvez, por “ciúme” dos estrangeiros terem pesquisado a sério uma língua nativa brasileira? Talvez por outras descobertas e opiniões “desagradáveis” encontradas nos textos deles? Talvez por não se alinharem ou até derrubarem objetivos específicos? Vai saber... 

O visconde-militar-dicionarista iniciou seu verbete com a frase: “Caipira: s. m. [substantivo masculino] (S. Paulo) nome com que se designa o habitante do campo”. Já o jesuíta português João Daniel (1722-1776), assim como Saint-Hilaire (em citação ao próprio João Daniel) e ainda Martius teriam utilizado expressão semelhante: “habitador de matos” - porém, referindo-se ao termo caapora e não a “caipira”. Os dois termos são claramente diferentes, mas sem justificativa (talvez, por conveniência?) parece fazer-se de conta que não o seriam - prática que ainda existe, uma imprecisão chamada pseudo-etimologia (preferimos chamar de “etimologia popular criativa”).

O mais importante é que todos os registros antigos referiam-se a indígenas: a ligação de “caipira” a “qualquer tipo de ser humano habitante de qualquer tipo de campo” já foi um “entendimento peculiar” do militar carioca que, mais tarde, parece ter sido agradável a Amadeus Amaral, que ainda fez pior: resolveu “traduzí-lo”, por sua conta, como “habitante da roça” em seu Dialeto Caipira. Esta reinterpretaçãoseria bem conveniente para os propósitos de Amadeu Amaral, mas o fato é que ele seguiu distorcendo significados, e o que é pior, arbitrariamente: a “mata mais densa”, dos indígenas, teria se tornado sinônimo de “campo” e, enfim, de “roça” de homem branco paulista - tudo isso sem desenvolvimento ou justificativa apontada. E também sem ser observado em outros registros de época, só na opinião destes intrépidos críticos de etimologistas que não teriam tido contato com indígenas (e na crença de quem opta por seguir cegamente aqueles intrépidos até hoje).

Na sequência, após ter indicado “S. Paulo” no início, o militar-dicionarista listou, com a grafia de 1899:

“[...] Equivale a Labrego, Aldeão eCamponez em Portugal; Roceiro no R. de Jan., Mat. Gros. e Pará; TapiocânoBabaquára e Muxuango em Campos dos Goytacazes; Mattuto em Minas-Geraes, Pern., Par de N., R. Gr. do N. e Alagoas; Casaca e Bahiano no Piauhy; Guasca no R. Gr. do S.; Curau em Sergipe; e finalmente Tabaréo na Bahia, Sergipe, Maranhão e Pará”.

É bastante peculiar a lista apresentada, do que poderíamos também chamar de “apelidos”: algumas vezes mais de um por Estado, possivelmente tendo em comum apenas que seriam relacionados a interioranos. Entre os estudos sobre palavras antigas que conferimos, desde São Isidoro de Sevilha, do século VI, esta talvez seja a mais criativa citação - com a diferença que Isidoro apontou muitas fontes, a maioria delas checável até os dias atuais. Nosso amigo Visconde, por outro lado e dizendo bem no popular, “viajou nas batatas” por conta própria...  

Ainda pela interpretação “peculiar” e pessoal de Beaurepaire-Rohan, “caipira” só poderia ter tido origem no Brasil e, a partir daqui, ter chegado a Portugal. Ele não teria considerado que o caminho inverso seria tanto possível quanto o de contextualização mais provável (portugueses inventarem apelidos pejorativos contra brasileiros, a partir de nomes indígenas sobre lendas, seres fantásticos, etc.). Uma pequena análise sobre contextos histórico-sociais desde que D. João VI trouxe a sede do Reino para o Brasil (1808) seria suficiente para entender a animosidade dos gajos contra os brasileiros - mas contextos histórico-sociais não são observados nestas publicações. O militar também parece não ter tido acesso, por exemplo, ao Jornal O Constitucional, de 03 de julho de 1822, onde em resenha da página 37 há evidências de que “caipora” já teria sido um apelido político utilizado contra os brasileiros desde antes daquela data - assim como “caipira” também apareceu como apelido político, por exemplo, no Jornal O Tamoyo de 02 de setembro de 1823, à página 06.

Seguindo na somatória de interpretações infelizes, ou distorcidas por algum motivo, o dicionarista apontou que o que foi utilizado pelos indígenas serviria automaticamente para todo tipo de ser humano - ou seja, o “mato fechado” deles seria a mesma coisa que “o campo”; o criativo militar teria chegado à conclusão também que apelidos dados a interioranos, por todo o país e até em Portugal, seriam, todos, equivalentes a “caipira”. Sequer lembrou-se de citar o uso de “caipira” como apelido político, que àquela altura (1889) já era apontado em vários dicionários, além dos jornais, e teria registros desde a Guerra dos Irmãos em Portugal (1832-1834).

Parece, a princípio, que pudesse ter escapado ao esforçado “colecionador de termos”, entre outros detalhes, que “caipira” teve registro em jornais de várias regiões do Brasil além de São Paulo, como Pará, Pernambuco, Mato Grosso, Paraná, Maranhão e, com grande incidência, no Rio de Janeiro - Estado natal e de maior atividade de Beaurepaire-Rohan. Não se concebe, entretanto, que o dicionarista não tivesse pesquisado em jornais - portanto, sua lista só pode significar que os locais relacionados aos termos seriam “os de maior incidência deles”, mas não seriam de uso exclusivo daquelas regiões. O apontamento de apelidos iguais que seriam utilizados em regiões diferentes aponta isso também. Além de tudo isso, “caipira” não era aplicado somente a pessoas do meio rural, mas... para Amadeu Amaral (e tantos outros que o seguem até hoje), parece ter sido (e ser) agradável e conveniente não considerar nenhuma destas reflexões óbvias, embasadas no próprio dicionário e em mais leituras - e apontar (em) que existiria uma “cultura caipira paulista”, inclusive com um “dialeto” próprio...

Muito curioso é que se o dialeto de Amadeu Amaral era “caipira”, então “caipira” teria sido o termo mais importante, certo? Pois exatamente deste termo ele não apontou a origem, chamando-o de “[...] palavra de aspecto indígena, real ou aparente” e, conforme já dito, zombou da “imaginação dos etimologistas”. Quais etimologistas? Se Amadeu Amaral os verificou, não os quis apontar... Entretanto, também curiosamente (ou “peculiarmente”), não teve dúvida em apontar que “caipora” derivaria de caapora (“mais de acordo com a etimologia”, segundo ele) entre nomes de demônios dos “caipiras paulistas”: “o caipora, o currupira, o saci, o bitatá”. Para Amadeu Amaral, “caipora” vir de caapora era normal - mas “caipira” vir de curupira seria “imaginação dos etimologistas”, separando bem os dois termos, sempre de acordo com significados colhidos em dicionários (!). Amadeu Amaral parece ter insistido em grafar erroneamente “currupira” e “bitatá” (este, ao invés de “boitatá”), mas pode ter sido erro gráfico ou de revisão da edição checada. Se não foi erro gráfico, apontaria que não teria lido com atenção as grafias apontadas em textos antigos, ou que não estaria acostumado com este tipo de lidar, cuidadoso com cada letra...  

Podemos dizer que se Amadeu Amaral fosse um etimologista (o que nunca defendeu ter sido), teria sido, por sua vez, um etimologista bem seletivo e despreocupado em apontar fontes e desenvolvimentos científicos... Mas que se julgou capar de organizar um léxico, apontando significados de diversas palavras antigas. Tudo para tentar justificar uma “cultura”? Parece que sim. Destaca-se que os dois dicionaristas diminuiram a importância e até criticaram “etimologistas”, mas de fato eles também não teriam formação (nem competência, comprovadamente) para tentar fazer o que fizeram.   

Não se pode provar por que, mas, no mínimo, imaginamos que seria difícil justificar: como um termo que significava “indígena do mato mais profundo”, que depois gerou um pejorativo político, poderia ter mudado para “habitante da roça paulista”... Seria necessário apontar, pelo menos, vários registros indicando a transição e algum contexto (como nós fazemos). A esta “mudança mágica”, porém, temos que apontar crédito a Amadeu Amaral e a Cornélio Pires, pois, graças ao empenho deles, a partir de 1910 realmente passaou a ser o significado popular mais visto em dicionários (!) - diferente dos demais significados mitológicos e fantásticos dados aos demais termos, aqueles “demônios” que Amadeu Amaral tinha feito questão de separar de “caipira”. É fato: a citada “cultura” teria “passado a existir” depois de Cornélio e Amadeu - e muitos os seguem, sem contestação, até os dias atuais.

Isso tem algum problema? Afinal, palavras mudam de significado às vezes, pelos séculos, por línguas diferentes, etc.

Sim, acontece... Neste caso, evidencia-se pelos tempos um interesse comercial (venda de livros, palestras, discos cursos, aulas, shows, etc.). Seria problema? Possivelmente não, afinal, o que é o período de Natal senão uma interpretação peculiar para justificar e alavancar o maior período de vendas de grande parte do mundo?

Amadeu Amaral era um ser humano. Apesar de se esforçar, não pode ser considerado um bom cientista - pois não apontou naquele livro desenvolvimentos que teria feito para justificar afirmações e, sobretudo, fontes de época nas quais teria se embasado. Sequer os dados de sua “pesquisa de campo” teriam sido apresentados, demonstrados, usados nas justificativas do livro. Quantas localidades teriam sido pesquisadas? Quantas e qual tipo de pessoas foram entrevistas? Qual a representatividade estatística delas pelo menos quanto ao Estado de São Paulo?

Cornélio Pires teria se embasado em muito menos ainda - mas é sempre bom lembrar que suas publicações eram artísticas: foi um empresário genial, visionário e obstinado, mas um empresário - jamais um cientista, um estudioso. Talvez algum problema esteja em quem entendeu (e ainda entende) as colocações destes distintos senhores como científicas - o que teria começado com o muito respeitado sociólogo Dr. Antonio Candido, que entre as décadas de 1950 e 1960 teria aplicado em uma tese de doutoramento e depois no livro Parceiros do Rio Bonito que a “cultura caipira” seria um dado científico válido. Ainda pior, Candido, ao “peculiarmente” também entender que o “caipira” seria de origem paulista, indicou associação da dita “cultura” a uma grande região chamada “paulistânia” (outro “entendimento peculiar”). Tudo isso, Candido fez apenas por apontamentos simples, sem apresentar comprovações científicas básicas como, por exemplo, uma pesquisa de campo em todo o país para apontar as diferenças e semelhanças entre a “cultura” da região alegada e as do restante do país - novamente, a pesquisa de campo teria sido feita em área irrisória, se comparado à enorme área alegada. No caso, a ampliação arbitrária de um entendimento particular para uma extensa área “de dominação” seria bastante agradável aos eleitores de São Paulo, onde Candido foi candidato a Deputado... Apesar de tudo isso, depois dele, vários estudiosos e populares acharam (e ainda acham) agradável secundar a tese, sem discussão. Sejam quais forem as intenções e/ou afinidades, certo é que o procedimento não é científico - nem sequer é próximo de evidenciar qualquer verdade.

Toda “interpretação” ou “entendimento peculiar” só causa problema se, por acaso, depois alguém resolver utilizar como embasamento de novas colocações e propósitos. O bom mesmo, independentemente de quem tenha escrito alguma coisa, é sempre checar fontes, desenvolvimentos, a possível evidência de verdade histórica por vários ângulos e, se for mesmo utilizar as colocações, apresentar todo o desenvolvimento, principalmente caso não tiver sido apresentado antes. Se não, o risco de dar seguimento a equívocos é bastante grande. “Fazer melhor”, conforme citação em destaque...

Naturalmente, o Brasil tem liberdade de Credo: cada um pode acreditar no que quiser, independentemente de comprovações. Também é o Brasil um país capitalista, onde se aceitam vários tipos de ações de venda (marketing) igualmente sem a obrigação de serem cientifica nem historicamente comprováveis: “compra” quem quiser, sejam as ideias ou os produtos e serviços ofertados. E de forma alguma é crime gostar de histórias agradáveis, convenientes, que fazem tão bem a egos e bolsos.

Está tudo certo, então, muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando... 

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às quintas feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).


 

MANCHETE DO DIA 18/07/2023


 “À la Rodrigo”: uma armação quase ilimitada

On nomme Guitarres à la Rodrigo, celles qui sont montees avec douze cordes; pour les trois premiers rangs deux cordes à l'unisson, et pour les deux derniers rangs trois cordes dont il y en a deux à l'unisson et une a L'octave.

“Chamamos de Guitarras à la Rodrigo as que são montadas com doze cordas;para as três primeiras ordens, duas cordas em uníssono, e para as duas últimas ordens, três cordas das quais há duas em uníssono e uma em oitava”.

[Michel Correte, método Les dons d’Apollon (1762, p. 140-141)].

Viola, Saúde e Paz!

Capítulo bastante importante sobre a origem das nossas violas dedilhadas vem de uma fase de transição que estimamos entre meados do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX. Conforme explicamos no livro A Chave do Baú, neste período se observaram grandes modificações nos cordofones, que impactam os instrumentos ocidentais hoje consolidados. Não teria sido por coincidência que este período também compreende as fases da Revolução Industrial: toda a sociedade ocidental teria sido bastante afetada pelas novas visões de lucro, de produção em série - e os instrumentos musicais costumam reagir às grandes mudanças sociais históricas.

Entre as maiores mudanças ocorridas, as guitarras espanholas (que armavam com 10 cordas em 5 ordens e que chamaremos “10x5”), ao final do período estariam consolidadas em 6x6 - ou seja, o violão moderno, que se tornou o dedilhado preferido por praticamente toda a Europa. O que tem a ver nossas violas com as “guitarras-violões”? Muito: as guitarras 10x5 eram chamadas de “violas”, em Portugal e, enquanto as guitarras mudaram de configuração (e depois, até de tamanho), as “violas” se mantiveram como eram, se tornando, assim, por exclusão, instrumentos “de fato”, pois teriam passado a ser diferentes dos demais. Até então, teriam sido só um nome diferente, porque os portugueses preferiram evitar o nome espanhol.

Esta configuração, 10x5, é hoje utilizada em alguns modelos da Família de Violas Portuguesas (Amarantina, Braguesa, Campaniça) e nos modelos Viola Caipira e Viola Machete, da nossa Família das Violas Brasileiras.

Como dito, foi uma “fase de transição”: portanto, houve variações até que chegássemos às atuais consolidações. As primeiras violas portuguesas com alguma coisa diferente de outros cordofones similares (alaúdes, guitarras) apresentariam, por exemplo, não 10 - mas 12 cordas nas mesmas 5 ordens; ou seja, “12x5”. Teria sido bem no começo da fase de transição e é apontado em dois métodos: o Liçam Instrumental da Viola Portuguesa, assinado por João Leite da Pita Rocha (1752, p. 1-2) e o Nova Arte de Viola, de Manoel da Paixão Ribeiro (1789, [p.63]). Outra diferença surgida durante a transição teria sido o uso de cordas metálicas, ou “de arame”, pelos portugueses - espanhóis sempre utilizariam cordas de tripa.

[Os números entre parênteses apontados há pouco, após o nome dos autores, significam o ano em que a publicação teria sido feita e a(s) página(s) onde se encontraria a informação; é “linguagem acadêmica”, sim: mas não se sabe de ninguém que já tenha morrido por ler assim e, desta vez, vamos deixar apontado, pois para entender bem o novelo que vamos desembolar é preciso estar atento aos nomes dos “cabras” e as datas em que teriam escrito as coisas, ok?]

Então, voltando à prosa: violas portuguesas 12x5 também têm modelos sobreviventes em Portugal (Toeira, da Terra) e, aqui no Brasil, antigas Violas de Queluz apresentavam12 cravelhas (mesmo que depois passassem a usar apenas 10 cordas).  

“Doze cordas em cinco ordens” significa que duas ordens tem trios de cordas (as duas “de cima”, ou seja, as mais graves) - e as outras três ordens, tem duplas de cordas. Na convenção mais utilizada se diz: “1ª, 2ª e 3ª ordens: duplas; 4ª e 5ª ordens: triplas”. Esta armação de cordas ficou conhecida como “a la Rodrigo” e nossa reinvestigação apontou que este “apelido” teria surgido sem origem determinada - embora alguns estudiosos teriam se enganado ao apontar o “Rodrigo” da história como o português Rodrigo Antônio de Meneses; este gajo teria existido e tocado guitarra, com destaque, mas pouco mais se sabe dele - a não ser que, na verdade, não teria usado a tal armação “a la Rodrigo”...

A questão geral nos foi apresentada por Júnior da Violla, grande violeiro, professor de viola e pesquisador de São Paulo (SP) - e não havia como não atender, vez que Junior praticamente nos ensinou a tratar as fontes de forma “chata” (leia-se “atenta, detalhista, rigorosa, quase pragmática”). É graças à dedicação dele que hoje todos podemos atestar a existência de Violas de 12 Cordas (12x6), também surgidas na mesma citada fase de transição, que também já tiveram modelo português (que infelizmente depois cairia em desuso) e que, no Brasil, tem registros desde a década de 1930 (instrumento remanescente, inclusive), sendo que na década de 1950 chegou a ser fabricada em série pela fábrica Gianinni. Nunca ouviu falar? Mesmo agora sabendo que há registros que comprovem, ainda duvida? Então precisa ler mais... Júnior da Violla é dos pesquisadores mais atentos e precisos que, felizmente, temos - e está aí à disposição, vivo, acessível até pelas redes sociais, defendendo as violas dia-a-dia.

Melhor que apenas obedecer a uma ordem de um mestre foi poder colocar em prática nossa metodologia. Embora a descoberta possa ser considerada pequena (para tanto trabalho), importante é o exercício e a comprovação, mais uma vez, da eficácia da nossa visão, da nossa metodologia. Por ter sido trabalhoso, por favor, fique atento: mergulhamos atrás do que escreveram dois estadunidenses em 2002, que citaram o que escreveu um português (em 1995), este citando texto de outro português (de 1870), e este último que citou o que transcreveu um alemão (em 1790) sobre o que outro alemão tinha apontado em 1776...

Confuso? Sim, um pouco... mas para encontrar tesouros que tanta gente boa não teria encontrado, não se pode esperar que seja fácil. A principal diferença de nosso método é que, enquanto estudiosos citam esta ou aquela fonte, às vezes de línguas diferentes das que dominam, nós mergulhamos em cada citação, vamos até cada fonte mais antiga possível, na língua original e tentamos descobrir e analisar TODAS, individualmente e em conjunto, organizando tudo em ordem cronológica. Isso faz muita diferença. Isto é, em resumo, “A Chave do Baú”.

Ah, sim: é importante citar que o livro The Guitar and its Music, dos citados estadunidenses (Tyler & Parks), é um excelente estudo, assim como outros trabalhos de ambos. Uma pequena conjectura, a partir de línguas não nativas deles (francês e português) não desmerece nada, pois pesquisadores são seres humanos. Especiais, sem dúvida - mas ainda humanos. E Tyler & Parks também citaram o mais remoto registro que se tem notícia sobre a armação “à la Rodrigo” (destacado na abertura), onde observamos que não teria havido detalhes sobre o tal “Rodrigo”. O difícil acesso àquela fonte (o método de Correte) devemos à gentileza do doutorando Felipe Barão, um brasileiro “já agora meio português”, estudioso principalmente das violas Toeiras portuguesas, a quem agradecemos muito pelas também “aulas” e ajudas.

Entendemos que a maior probabilidade é que mais uma denominação teria “surgido na boca do povo”, cuja origem teria se perdido no tempo, pela oralidade... Infelizmente não é raro (e acontece há séculos), que estudiosos tentem adivinhar origens de nomes assim, por semelhanças, coincidências ou teorias criativas - mas sem base sólida em registros. Por isso é importante fazer levantamentos como este que agora apresentamos, mesmo que complexos, trabalhosos e que não mudem em nada (ou quase nada) a História: servem para pegarmos as “manhas” (e as manhãs também, diria Renato Teixeira em “Tocando em Frente”?) - e para nos alertar a sempre ficarmos espertos quanto a nomes, textos e os respectivos dados de época.

Desfazendo o novelo, temos Tyler & Sparks citando:

“Correte não dá a origem do nome popular francês, mas PODE BEM ter tido alguma conexão com o guitarrista português Rodrigo Antônio de Meneses, conhecido por ter feito tournée européia como concertista na década de 1760 e depois feito sucesso na Alemanha, especialmente na cidade de Leipzig, em 1766” (Tyler & Sparks, 2002, p.204, grifo e tradução nossa [*1]).

É muito importante observar a condicional que apontamos com maiúsculas e numa tradução bem “abrasileirada”: não é uma afirmação! Nestes casos, entende-se que poderia ter sido uma conclusão dos autores a partir de alguma fonte lida - e que, no caso, foi apontada: o livro História da Música Portuguesa, de João de Freitas Branco; fomos, então, conferir e, realmente, Branco deu notícia sobre o citado guitarrista, mas sem informar nada sobre a armação “à la Rodrigo”; além de, na verdade, também não ter “dito por si”, mas segundo o que teria lido em outra fonte (BRANCO, 1995, p.198).

Então, tivemos que seguir a nova pista informada por Branco, que foi o livro Os Músicos Portugueses, de Joaquim Vasconcelos; lá, realmente, estava o apontamento sobre o sucesso de Rodrigo Meneses, suas apresentações na Alemanha e a cidade de Leipzig, com a data de 1766 (VASCONCELLOS, 1870, p.269). Novamente, nada havia sobre armação “à la Rodrigo” e, mais uma vez, o autor não teria dito por si, apontando onde teria lido. Desta forma, chegamos ao livro Historisch Biographisches Lexicon (“Léxico Biográfico-Histórico), de Ernst Luwig Gerber - onde, em bom alemão, uma pequena nota confirmava o já dito antes sobre Rodrigo (o tocador), também sem citar a armação e apontando mais duas outras fontes: “[...] A descrição do próprio instrumento pode ser encontrada em Hillers Nachr. B. 1. p. 39 e em Walther, no artigo ‘Chitarra’” (GERBER, 1790, v1, p.928, grifos e tradução nossa [*2]).

(Que raiva! Além de ainda não atender nosso objetivo, Gerber citou duas fontes sem detalhamentos - como se a gente fosse obrigado a conhecer de memória quem seriam estes tais de “Hiller” e “Walther”... Não é à-toa que muito estudiosos desistem: é muito mais fácil criar alguma história do que vascular a verdade em fontes!).

Mas somos brasileiros: pesquisa daqui, pesquisa dali, descobrimos: Joahan Gotfried Walther, em seu livro Musicalisches Lexicon (“Léxico Musical”), fez somente um pequeno verbete, sobre “Chitarra”, onde apontou nomes equivalentes em várias línguas e, entre mais algumas informações, que teria formato 10x5 - sem nada sobre “à la Rodrigo”, ou qualquer Rodrigo (WALTHER, 1732, p. 159). Finalmente esclarecedora foi a outra fonte apontada: John Adams Hiller, no livro Nachrichten und Anmerkungen (“Notícias e Notas”) - na verdade, um dos volumes de uma série onde ele registrava detalhes de concertos que teria visto. Pelo sucesso do desempenho de Rodrigo em Leipzig (que teria sido em 27 de julho de 1766), Hiller resolveu descrever em detalhes o instrumento utilizado: similar ao alaúde, mas com fundo plano, cordas de tripa, a afinação (Lá-Ré-Sol-Si-Mi, segundo ele o contrário das convenções), etc. Hiller chegou a rascunhar, junto ao texto, um pequeno trecho de partitura, para ilustrar que “[...] Cada ordem tinha duas cordas, exceto a quinta, que é única; os pares mais graves trazem uma corda a uma oitava, o resto está em uníssono” (HILLER, 1766, v1, p.39, tradução nossa [*3]). Não: definitivamente o Rodrigo não usava afinação “à lá Rodrigo”!

Observa-se, amarrando as pontas desta singela pesquisa, que tanto Hiller quanto Correte na verdade registraram as guitarras mais utilizadas como 9x5 - exatamente como o modelo de viola português “da Ilha da Madeira” ainda hoje preserva. Muito interessante, não? Como dissemos, “guitarras” eram “violas” para os portugueses - e de cada variação de guitarra encontrada na História, costuma-se encontrar uma “viola” correspondente... Mais interessante, das guitarras também costuma-se achar correspondências em instrumentos árabes, antecessores, mas com caixas abauladas.

Houve mais uma pequena “raiva de pesquisador”, porque Hiller indicou como fonte o próprio livro de Walther (porém, com mais detalhes) - livro que tínhamos gasto um tempão para descobrir. Ou seja, se tivéssemos, por sorte, encontrado o livro de Hiller antes, menos tempo teria sido perdido - mas “faz parte”... Os dois (Hiller e Walther) citaram ainda o Gabinetto Armonico, de Fillipo Bonani, onde realmente se encontra uma pequena citação e uma ilustração de uma Chitarra Spagnola, porém com armação 10x5 (BONANI, 1722, [figura 97, p.225]). Esse negócio de prestar atenção à armação de cordas (número total e de ordens) nós consideramos determinante - embora ainda não seja consenso nos estudos da ciência musicológica específica, chamada “organologia”.

É isso: quem viu Rodrigo Meneses tocar em Liepzig (e, que por sorte e alegria nossa, entendia de música e de musicologia e era atento e detalhista) não o teria visto usando ordens triplas, e apontou dados precisos. Estudiosos portugueses, naturalmente, louvaram em suas publicações o raro sucesso de um concertista patrício - mas sem citar cordas e ordens; já Tyler & Sparks, que teriam encontrado a mais remota citação em um método francês, tentaram fazer uma conexão direta, a partir do nome “Rodrigo” com o talentoso e notável português, mas... deram um chute errado. Assim nascem várias lendas - mas é importante lembrar: os estadunidenses NÃO AFIRMARAM nada: repetir o que eles apontaram sem atenção a este detalhe, como se tivesse sido uma “afirmação baseada em fontes” (e, sobretudo, sem checar estas fontes) é que seria um problema - um problema infelizmente recorrente e danoso.

Por último, para atender ainda ao mestre Júnior da Violla, o instrumento remanescente mais antigo, que teria usado 12 cordas em 5 ordens (estaria hoje no Museu Nacional da Escócia), dataria entre 1740 e 1750 (início da citada fase de transição, lembra?) e teria sido atribuída a propriedade (ou autoria de confecção) a certo Josef Dörfler, do qual não encontramos informação sobre ligações com música (ou qualquer outra profissão). Em portais eletrônicos sobre árvores genealógicas, encontramos uma pessoa com este nome, que teria nascido na hoje chamada República Tcheca (vizinha da Alemanha) e que teria tido um filho em 1761- então, há alguma possibilidade de ter sido o tal, mas...

O fato é que encontramos detalhadas descrições sobre esta “12x5 mais antiga que se tem notícia”, tanto no site do Museu Santa Cecília, da Universidade de Edimburgo, quando no artigo The Early wire strung guitar (“As mais antigas guitarras de cordas de arame”), de Darryl Martin. A alegação a Josef Dörfler (não feita por Martin, é importante citar) teria vindo de inscrições gravadas no instrumento, onde se leria “IOZE DOR V"(MARTIN, 2006, p. 130-131). Ou seja, daí até afirmar que significaria “Josef Dörfler” haveria alguma criatividade aplicada. Com dissemos, lendas são criadas facilmente: “... é preciso estar atento e forte” (como diz Caetano Veleso em seu “Divino Maravilhoso”). Em profundas análises feitas (inclusive datação de carbono!), Martin concluiu, sem dúvidas, que o instrumento seria de fabricação ibérica, mais provavelmente portuguesa: nada a ver, portanto, com a Alemanha ou outras regiões...       

Muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando... 

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

*1 - no original: “Correte does not give the origin of the instrument’s popular French name, but it may well have had some connection with the Portuguese guitarist Rodrigo Antônio de Meneses, who is known to have toured Europe as a concert performer during the 1760’s and who subsequently enjoyed great success in Germany, especially in the city of Leipzig in 1766”.

*2 - no original: “Von dem Ins strumente selbstfindet man die Beschrei bung in Hillers Nachr. B. 1. S. 39, und im Walther unter dem Artikel Chitarra”.

*3 - no original: Jedes Chorde hat zwen Saiten, auzer bem sunsten, welches nur einsach ist; die benden tiessten Chore haben die hohere Octave ben sich, die ubrigen sind im Cinflange (Cinslange)”.

(Referências citadas diretamente no texto).


MANCHETE DO DIA 10/07/2023


16 - Um Juiz Violeiro

[...] magistratum esse legem loquentem, legem autem mutum magistratum

“O magistrado é a lei que fala; a lei, é o magistrado mudo”

[Marco Túlio Cicero (106 aC.- 43 aC.), em De Legibus III].

Viola, Saúde e Paz!

Neste Brevis Articulus homenageamos um jovem senhor que muito admiramos e respeitamos - além de considerarmos um dos maiores entendidos sobre caipirismo no Brasil, por seu grande eruditismo: trata-se de Romildo Sant’Anna, autor do imprescindível livro A Moda é Viola – Ensaio do Cantar Caipira (se ainda não leu, compre já!). Doutor pela USP, Livre-Docente pela UNESP, crítico de arte e jornalista, membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. Fazemos esta homenagem de forma bastante atrevida, como é nosso estilo, posto que o homenageado seja um dos maiores especialistas brasileiros em Teoria da Literatura e Literatura Comparada - prática que tem a ver com este nosso humilde ensaio, que não chega sequer ao chulé do professor...

Só para acrescentar um dado pouco comentado do currículo deste grande estudioso, já em 1999 o Dr. Romildo fez parte da banca que aprovou a dissertação de mestrado na UNICAMP do hoje Dr. Ivan Vilela - este último, um dos violeiros-pesquisadores mais seguidos e respeitados da atualidade, grande formador de opinião, não só no meio da viola, mas em várias outras áreas. Em uma “brincadeira interna” nossa, costumamos provocar nosso gentil, solícito e paciente ídolo, perguntando: “Ivan Vilela é seu mérito ou sua culpa”? O máximo de provocação que a magnificência de Romildo nos dirige é “Você tem independência demais para escrever...”. Naturalmente, são apenas brincadeiras...

Não raro, durante nossas pesquisas, ilustradas no livro A Chave do Baú, encontramos registros que não citam violas diretamente, ou, quando as citam, não acrescentariam muito às nossas investigações, mas que pensamos: “este um, o Romildo iria gostar!”. Até enviamos a ele algumas coisas, mas não dá pra ficar abusando da educação e atenção de um ídolo o tempo todo, concordam? Listamos todas as citações ao termo “viola”, como instrumento musical, em nossa monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil - arquivando assim também vários “causos” interessantes, pitorescos, alguns com dados até reveladores sobre a história da viola, sobre a História do Brasil.

É o caso de uma publicação que observamos no acervo público do Jornal A Província de São Paulo - hoje, conhecido como “Estadão” - com data de 05 de julho de 1878 (Anno IV, nº 1009). A coluna se chamava Sessão Livre, e o texto traria como título apenas “Xiririca”. Teria sido uma carta enviada à redação do jornal, de autor que teria preferido ficar incógnito (ou “anônimo”). Aquele autor fizera pesadas críticas a certo juiz Bernardo da Gama de Souza Franco, do qual não conseguimos muitas informações. Já sobre a citada “comarca de Xiririca”, descobrimos que hoje se chamaria “Eldorado”, e que ficaria ao sul do Estado de São Paulo.   

O que mais nos interessa são as curiosas citações feitas sobre a atuação de “Sua Senhoria” (que é como o autor se referia ao juiz constantemente). Trazemos aqui um bom trecho, do qual adequamos algumas palavras aos atuais formatos da língua portuguesa, mas as que já estavam grifadas em itálico, no original, mantivemos.

Entendemos que o texto pode trazer alguma visão sobre os costumes da época e região. Acrescentamos no século XIX não se observava em registros tanto “preconceito contra o caipira”, como é, por tantos, aclamado - mas havia, sim, textos com indícios claros de preconceito contra interioranos. Um excelente desenvolvimento sobre preconceito contra caipiras se observa no citado livro do Dr. Romildo. Além deles, registros sobre o termo “caipira” desde 1822 destacamos em estudo que não tínhamos visto ter sido feito antes, em nossa citada monografia. Naquele amplo banco de dados, aplicamos várias metodologias e técnicas científicas, como matemática-estatística, contextos histórico-sociais e outras, e observamos que “caipira” não teria sido termo original indígena: teria surgido como um apelido político, até assumido pelos partidários da causa, tendo migrando após a Revolução Industrial para uma ressignificação mais ofensiva - mas ofensiva não apenas a pequenos agricultores, e sim ao todo do proletariado ligado a atividades rurais, que inclui pretos, estrangeiros e outros. Observamos ainda que o termo não seria utilizado apenas em São Paulo, onde realmente predominava, mas em praticamente todo o país.  

No grande texto original, o termo “caipira” sequer teria sido utilizado - mas no paralelo feito com a viola e com ritmos e outros detalhes a ela ligados, pode ser inferido algum preconceito. A viola, no caso, teria sido tocada por um magistrado - ou seja, presumivelmente alguém de certa leitura e conhecimento -, fato inclusive criticado pelo ácido autor, que citou no argumento até frase do advogado e filósofo romano Cícero. Ele não identificou Cícero diretamente, mas por coincidência já conhecíamos a frase e resolvemos destacá-la na abertura deste Brevis Articulus, como ilustração. A “treta” política era grande, já teria tido capítulos anteriores, e o autor “que não gostava de fandangos em audiência” chegou a definir seu texto como amostra do panno, ou seja, um exemplo (“amostra”) de como teria sido o juiz (o “pano”), alvo de seu grande dissabor:

“Pois acha que ficou bonito para S. S. mostrar-se em plena audiência, a 7 de Maio, que é tocador de viola?

Pode ser grande habilidade e apreciável talento o tocar bem uma viola, mas que o juiz possa exibi-los em audiência, executando peças de fandango, eis o que não nos parece digno de aplausos.

Se S.S. em algum batuque se prestasse a dirigir a orchestra, e mesmo a dançar seu rasgadinho, tocando sua viola, provavelmente os circunstantes se deleitariam muito; mas em audiência...

Quereria com isso S. S. tornar sabido que com o direito também faz fandango, como com a viola toca rasgados e modinhas de batuqueiro?

Quereria S.S. fazer como outros que metem a viola no sacco, meter também as leis e a jurisprudência dentro da viola?

Mas tudo isso não é por certo ato de juiz que conhece seus deveres e procura atrair o respeito de seus jurisdicionados.

Se o que fica exposta não basta para atestar o bom senso do juiz de Xiririca, ainda temos a dizer que as audiências são o lugar em que S. S. faz praça de seus bons costumes e sensatez.

Inúmeras vezes S. S. se apresenta em mangas de camisa, assim a modo de rapaz dado a capoeira, e que não sabe dar-se o respeito e respeitar os outros.

justiça em mangas de camisa e algumas vezes vestida de roupa sem asseio, não pode agradar às autoridades superiores, ao público, aos empregados e partes que a procuram: enfim a justiça em mangas de camisa e tocando viola, ou dentro desta, é um atentado à sociedade e às leis.

[...]

Ora eis aí como procede o Sr. Dr. juiz municipal do infeliz termo de Xiririca!

[assinado por] Um que não gosta de fandangos em audiência.”

Pedindo permissão para um exercício livre, conjectural, uma vez que o “enfezado” autor citou (na verdade, por duas vezes) que o magistrado usaria “mangas de camisa” e que seria “rapaz dado a capoeira”, talvez uma das motivações dos ataques possa ter sido a cor de pele; talvez por isso também não tenha o tenha xingado de “caipira”, ou talvez porque o próprio autor se considerasse um “caipira” - codinome que observamos em vários outros textos para a mesma coluna, com estilo sarcástico que consideramos similar (mas aí só Romildo para atestar se estamos falando pouca ou muita bobagem nessa nossa “análise de discurso”). O fato, sem conjecturas, é que não conseguimos informações sobre o juiz-alvo, muito menos sobre o anônimo autor.

A maneira como os preconceitos entraram depois para o contexto do caipirismo é bem interessante, mas aí já são outras prosas...

Muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando... 

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 


MANCHETE DO DIA 03/07/2023


Quando um modelo se tornou “Viola Caipira”

“[...] Mas também o que nos dirão da monotonia e insipidez dessas intérminas e uniformes modulações da viola caipira seguindo o sapateado do fandango, obrigada sempre às improvisações poéticas e desafios que formam a fama e o goso [sic] de tantos de nossos homens dos campos?”

[Jornal curitibano A República (editorial não assinado, 08/07/1901, nº. 149, p. 1)]

Viola, Saúde e Paz!

Ao ver em destaque a citação mais antiga do nome “viola caipira” que conseguimos encontrar, muitos poderão pensar que o modelo Viola Caipira de hoje viria já daquela época... Muitos acreditam até que viria desde antes, “desde sempre” no Brasil, como se fosse um único e antecessor modelo. A verdade dos fatos, entretanto, tem-nos mostrado que instrumentos musicais quase nunca foram estáticos em termos de nome, formato e outras características. Ao observar qualquer instrumento hoje, ousamos afirmar que o mais provável é ele teria sido diferente antes - e que é possível atestar muita coisa de sua história pregressa. É à isso que dedicamos profundos estudos, que demonstramos no livro A Chave do Baú.

Não negamos, entretanto, alguns fatos que podem ter colaborado para entendimentos equivocados, até de estudiosos: é fato que, ao consultar sites de fabricantes de violas dedilhadas, encontram-se alguns registros em datas do início do século XX: primeiro com Tranquilo Giannini, que aponta início de atividades em 1900; depois, a partir de 1902, com Angelo Del Vechio e a partir de 1908, com Romeu Di Giorgio. Três imigrantes italianos, todos começando a produzir artesanalmente “a nova guitarra espanhola”, no topo da moda por toda a Europa naquela época e todos três que, com o passar dos anos, passariam a construir também “violas”, até chegarmos hoje à produção em série, industrial.

Não há dúvida que aquele modelo de guitarra que começaram a desenvolver é ainda a base das nossas Violas Caipiras atuais - a maior parte delas, industrializadas. A mais antiga evidência literal (documental) disso que encontramos é de 22 de junho de 1926, mas de outra fábrica, em anúncio no jornal Estado de São Paulo: “‘Ao Rei dos Violões’ – Fábrica de violões, violas, cavaquinhos e bandolins” (Estadão, nº 17282, p. 10). Entretanto, é fato que atestamos também, que nenhuma destas fábricas utilizava ainda nomenclatura “viola caipira”... O termo, inclusive, aponta ter sido raríssimo que tenha sido utilizado pela população em geral até a década de 1970!

Também é fato que antes de 1901 as “violas” já teriam começado a ser ligadas ao termo “caipira”: encontramos o mais remoto registro (de alguma ligação, mas ainda sem uso do nome “viola caipira”) na frase “Um amarelo caipira de viola ao peito” - no periódico carioca Jornal do Commercio (11/04/1846, nº101, p.2). A pergunta é: estes poucos fatos são suficientes para apontar que existiria uma “viola caipira” àquela época, e que era assim que eram conhecidas as violas pelas pessoas?

Já sobre o entendimento coletivo de que a “viola caipira” teria chegado ao Brasil com os jesuítas e que faria parte de uma “tradição de raiz”, devemos às colocações do genial empresário paulista Cornélio Pires: sua interpretação e incansável defesa do que ele entendeu significar o termo “caipira” - sugerindo que seria de origem indígena e que, portanto, representaria uma cultura ameaçada de extinção - não pode ser citado por adjetivo menor do que “genial”: entendimento criativo, que faz sentido (para quem não buscar ler sobre História, sobre fatos) e que é bastante agradável, bastante conveniente para uma população que sempre careceu de inclusão social e que nunca teve grande hábito de leitura e de reflexão. Conveniente também para quem queira faturar com a ideia de Pires, até hoje.

Não à toa Pires vendeu muito: era visionário e muito trabalhador. Não à toa recebeu apoio, anos mais tarde, até de estudiosos, que se baseavam naquele entendimento para ancorar até teorias “científicas”... mas...

Um dos aspectos mais geniais de Cornélio Pires é que ele sabia que não precisava apontar dados comprováveis, estudos, embasamento científico: seus textos eram artísticos (ou “casos e mentiras”, como ele mesmo definiu no livro As estrambóticas aventuras do Joaquim Bentinho - o queima campo, publicado em 1921). Pires nunca foi “científico” e nunca defendeu que teria sido. Genial! O povo acreditar no que ele dizia é fácil de entender... Agora, porque tantos estudiosos continuam defendendo a tese até hoje, sem procurar comprovar cientificamente as alegações, é um pouco mais difícil de entender.

Um fato que se pode citar sem medo de errar é que o caipirismo de Pires “vendia” muito bem - e continua “vendendo” - mas não há qualquer evidência de existência de uma “cultura caipira” antes de Cornélio Pires. A evidência, portanto, é que ele teria inventado uma cultura para alavancar vendas - tão bem inventado que “pegou” e parece que a ninguém interessa contestar, até hoje.  

Voltando o foco mais às violas, é fato (por registros até de fácil acesso público) uma curiosa estatística: entre os anos de 1930-1939, em periódicos por todo o Brasil, cujos acervos históricos estão disponíveis para consulta pela internet, pesquisamos e encontramos o nome “Cornélio Pires” citado 704 vezes; no mesmo período, a palavra “caipira” teve 10.162 citações (!) e o termo “viola caipira”, apenas uma citação, sem nada a ver com um instrumento em sí, mas em matéria sobre um professor de guitarra portuguesa - no jornal carioca Correio da Manhã (21/03/1930, nº 10808, p.7).

Não é interessante? Observe que a única citação de “viola caipira” nos jornais é de 1930; depois, enquanto o caipirismo e seu criador eram fartamente citados, durante nove anos nem foi encontrada citação do termo “viola caipira”...

Sim, é fato: nem por Cornélio Pires, nem pela população, no auge do caipirismo, a viola foi chamada de “viola caipira” contundentemente - portanto, a evidência é que não teria sido o nome popular do instrumento. Na mesma base de dados, mas incluindo citações em livros, discos e outras fontes, descobrimos que mais tarde, entre 1900 e 1959, houve, sim, mais citações ao termo “viola caipira”... Mas não teriam sido nem sequer uma por ano!

Quais teriam sido os nomes, então? Sem qualquer dúvida, o maior número de registros é de apenas “viola” - que inclusive é o que mais aparece desde o século XVI - seguidos às vezes, mas poucas vezes, entre outros, de nomes como “viola cabocla”, “viola paulista”, “viola sertaneja”. Já a partir de 1959, também começa a aparecer bastante (tanto quanto “viola caipira”), o nome “viola brasileira” (ver o quadro, ao final deste Brevis Articulus).

Infelizmente mal interpretado e defendido até por grandes estudiosos, a década de 1960 não foi a década da “viola caipira”: houve, realmente, um aumento de uso deste nome nesta década (para cerca de 4 citações por ano, apenas) - porém, ao mesmo tempo, se constata uma dicotomia (uma espécie de “disputa” ou “dúvida pública”) entre “viola caipira” e “viola brasileira”. A década, portanto, seria na verdade de “avivamento” desta dúvida entre os nomes. Ambos aparecem juntos em várias publicações, denotando que não havia uma denominação certa - ao contrário, haveria, comprovadamente, uma dúvida pública a respeito. Este fato é visto, além das matérias de jornais, por exemplo, a partir de 1959, na contracapa do disco Exaltação à Viola, do maestro Élcio Alvares (em matéria do jornalista Vicente Leporace); em 24 de agosto de 1963, em artigo do maestro Theodoro Nogueira - Anotações para um Estudo sobre a Viola - publicado no Jornal A Gazeta de São Paulo e replicado, em parte, em 1971 na contracapa do disco Bach na Viola Brasileira; em 1964, no artigo Estudo sobre a Viola, da Revista Brasileira de Folclore, onde Rossini Tavares de Lima utilizaria inclusive uma abordagem múltipla: “viola caipira, sertaneja ou brasileira” e em 1968, na contracapa do disco Canto Geral, Geraldo Vandré utilizou a expressão “viola caipira ou brasileira, como queiram”.

Como se observa, jornalistas, maestros, folcloristas e artistas ainda não afirmavam categoricamente que a viola seria “viola caipira”. Este é um fato, comprovado não só por estes exemplos, mas por centenas de publicações.

Mas então, afinal: quando é que o modelo mais conhecido (famoso, comercial) de nossas violas (nunca teria havido apenas um modelo, é bom lembrar) se “tornou” Viola Caipira?

É do nosso banco de dados bem considerável que trazemos, de forma inédita, as evidências: um aumento expressivo de citações aconteceu partir da década de 1970, que depois só cresceria mais, até chegar ao panorama de conhecimento público atual.

A este respeito conseguimos contextualizar também, histórica e socialmente, a evolução (aproximadamente a partir de 1972) do estilo hoje chamado “sertanejo universitário”, que, entre outras mudanças quanto aos antigos “caipiras”, trouxeram a substituição das violas por guitarras em suas formações - e uma resposta comercial a isso, pela gravadora onde o artista mais famoso era Tião Carreiro, e que a partir de 1976 (disco É isso que o povo Quer) começou a utilizar o termo “viola caipira” em suas capas, encartes, letras de músicas, etc.

 

 

Páginas

Viola

Caipira

Viola

Brasileira

Viola

Sertaneja

Viola

Paulista

Viola

Cabocla

1950-1959

6.032.672

08

02

21

32

03

1960-1969

4.767.940

39

45

14

06

03

1970-1979

4.165.039

244

39

32

04

04

1980-1989

3.470.167

387

14

51

11

03

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Citações a nomes de violas no Brasil (1950 a 1989). Acervos da Biblioteca Nacional Digital do Brasil (645 jornais) e dos jornais Estado de São Paulo e Folha de São Paulo.

Naturalmente, a fase de transição foi lonnga (nada, na verdade, é simples e rápido de explicar, de comprovar): a fase remete, inclusive, a disputas de mercado com registros que observamos desde 1964, na época do grande sucesso da música Disparada... mas aí já são outras prosas...

Muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando... 

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 


MANCHETE DO DIA 26/06/2023



Origens ainda pouco conhecidas do termo VIOLA

[...] alii fistulis, alii sambucis, alii violis [...] psalunt

(“Eram tocados algumas fistulas, sambucas, violas”)

[Codex Calixtinuscriação coletiva, data estimada entre 1130 e 1160]

Viola, Saúde e Paz!

Assim como nós, possivelmente os leitores já tenham lido em algum lugar que o termo VIOLA “teria vindo” de FIDULA, VIDULA ou VITULA (do Latim), ou VIULA / VIULHA (do Catalão) - entre outras teorias similares. É por isso que pesquisamos a fundo (e inclusive listamos, nas primeiras páginas do livro A Chave do Baú), os mais remotos registros encontrados de termos semelhantes a VIOLA, que teriam sido citados por diversos estudiosos de diferentes ciências, línguas e épocas.

A diferença é que juntamos em uma só pesquisa todas as citações, seja de violas dedilhadas ou friccionadas por arco, sem julgar (a princípio) se estariam certas ou erradas. Isso não observamos ter sido feito por ninguém antes. Retraduzimos todas as fontes citadas para uma língua só (inglês, com a supervisão do linguista suiço Rémy Viredaz), as organizamos todas em ordem cronológica (para podermos analisar o que estava a acontecer em cada época em que os termos teriam surgido). Tudo com extrema  atenção a detalhes, sobretudo com nosso olhar musicológico, mais contextos poéticos, histórico-sociais, estatísticos, etc.

Entendeu? Seria mais ou menos como pegar uma aeronave e, lá de cima (no espaço), usando um telescópio poderoso, olhar para baixo e tentar enxergar o “todo” dos estudos e dos registros - olhar o conjunto inteiro e não apenas esta ou aquela vertente. Ou seria como olhar, também do alto, um grande rio - mas observá-lo inteiro, desde a nascente até a foz, sem perder de vista sequer um ribeirãozinho de sua cadeia (ou rede) de afluentes.

A Cronologia aponta que o mais remoto registro do termo VIOLA seria o destacado aqui na abertura, que teria sido observado em manuscritos estimados ao início do século XII. Sem dúvida faz sentido, portanto, que estudiosos procurassem a origem em nomes de instrumentos semelhantes que tivessem registros logo antes daquela época - e assim, realmente conferimos VIDULA (sec. XI)eFIDULA (sec. X)em textos em Latim... Neste ponto já começam os entendimentos conflitantes, pois o mesmo FIDULA teria sido observado num livro-poema escrito em dialeto alemão, do século IX - o Liber Evangeliorum (“Livro dos Evangelhos”), do religioso alemão Otfried de Weissenburg (790-870). Não detalharemos agora, mas esta famosa fonte já deveria servir de alerta aos estudiosos, pois não apenas no título do livro (como se percebe), mas durante o poema todo há farto uso do Latim - principalmente em outros nomes de instrumentos listados no mesmo verso que FIDULA! Muitos juram até hoje que o termo seria “original alemão”, desprezando o contexto histórico-social de que, à época, havia forte influência da poesia moura, e do “Latim dos padres”, que vamos falar mais aqui. O próprio texto é uma poesia, nos moldes Trovadorescos - mas vai colocar isso na cabeça de um alemão... 

Faz algum sentido também alegação de origem do termo VIOLA a partir de VIDULA por parecer ser variação de VITULA, embora este último só tenha registro, como nome de instrumento musical, a partir do século XIII - mas ele existiria em Latim desde muito tempo antes, com outro significado (do verbo VITULAR - “dar demonstração de júbilo, alegria”). E também faz algum sentido pensar em origem a partir de termos como VIULA / VIULHA (de textos em Catalão e Occitano), que também só teriam registros conhecidos a partir do século XIII, mas em línguas ligadas diretamente às ancestralidades dos atuais idiomas italiano, francês, espanhol, português... Só que estudiosos anteriores não teriam contado com a nossa astúcia, de colocar todos os termos, de todas as línguas envolvidas, em ordem cronológica: nós, atrevidos, constatamos que VIOLA já teria tido registros em Occitano e Catalão antes de VIULA / VIULHA... Então, “desculpa aí, mas não cola!” - registro é registro...

Acrescentamos, talvez apenas como curiosidade, que o nome VIOLA já seria utilizado pelo menos desde o século VI, em Latim - mas como nome de uma flor, conforme já citamos aqui em outros Brevis Articulus. É, entretanto, pela quantidade de registros e evidências, um termo que aponta provável origem latina, sem dúvida... pelo menos, a princípio... pelo menos, “não só do latim”...

Tudo faz algum sentido, porém, até os dias atuais, nenhuma teoria (principalmente de “linguistas”, os especialistas em origens de palavras) pode ser considerada decisiva, incontestável - sobretudo quando as cruzamos com informações da musicologia (naturalmente, por ser a especialização mais indicada quando o assunto é “instrumentos musicais”) e História / Estudos Sociais, que são ciências aplicáveis e aceitas como parâmetros de base em todo e qualquer estudo sobre antiguidade.

O que o nosso olhar astuto (aquele do telescópio, lááá de cima...) vem trazer para as equações investigativas globais são fatos e evidências históricas bem consistentes - como, por exemplo, o expressivo número de nomes similares, surgidos praticamente ao mesmo tempo em diversas línguas:  

Ainda no século XII, logo após o citado VIOLA [em texto em latim] e citando apenas o mais remoto registro de cada termo, encontramos, pela ordem: VIOLLE, VIELE [em francês]; FIDIL / FIDLI [em irlandês / anglo-saxão], VIELLA [em latim], VIDELE, FITHELE, FIDELE [em alemão], VIOLA [em catalão e occitano], PHIGILE, VIGELE [em alemão]; FIGELLA [em latim], VIHOLA, VIEULA [em occitano].

E logo a seguir, mas já estimados ao século XIII: FIOLA, VITULA [em latim]; VIELLE [em francês]; VIELLA, VIULA [em catalão]; VIELLE [em latim]; VIULHA [em occitano], VIHUELA, VIOLA e variações [em espanhol]; VIOEL [em texto em latim].

Levantamos e checamos cada registro destes termos por diversas fontes, que teriam sido estimadas, como já dissemos, entre os séculos XII e XIII - e consideramos que dois séculos possam ser considerados “quase ao mesmo tempo”, se comparados à História Ocidental toda (por aquela visão global, lembra? Sempre ela!). Também acrescentamos (e é bom considerar listas que apresentamos) que muitas vezes os termos apareciam em textos de certa língua, mas que a influência de outras línguas é evidente. Assim aprendemos a ficar sempre ligados, e céticos - “chatos”, mesmo - no trato com registros históricos de nomes de instrumentos.

Para refrescar os conhecimentos básicos de História: até o século V, quando o Império Romano caiu, os romanos dominavam o que chamamos hoje “território europeu” e, enquanto dominantes, tentavam impor o Latim como língua universal; porém, após a queda, o Latim não foi “expulso junto com os romanos”, pois seguiu sendo a língua praticada pelos padres por todo o mesmo vasto território - os mesmos padres que eram os maiores responsáveis por textos escritos, inclusive sobre música e/ou que continha citações de instrumentos musicais. Após a queda também não haveria ainda os países hoje consolidados (França, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Itália, Portugal, etc.): todos eram compostos de reinos independentes, cada reino então a desenvolver suas culturas próprias, onde as línguas começaram a se desenvolver mais a partir do tal século V, exato terem se livrado dos romanos. Não, não foi “do dia pra noite”, naturalmente: várias adequações ainda aconteceram até a consolidação atual. O que destacamos, por exemplo, é que línguas como a Inglesa e a Alemã atuais tiveram complexos desenvolvimentos a partir de vários dialetos anteriores. E sim, se pensou na figura da “Babel bíblica”, deveria ser mesmo parecido...

Um fato que veio “bagunçar” ainda mais este caldeirão de idiomas / culturas aconteceu a partir do século VIII: a invasão árabe (muçulmana, “moura”), que durou até o século XV (!). Pense bem: são muitos séculos de mais outra cultura bastante diferente e, embora poucos comentem, pelo menos em termos de música e construção de instrumentos era bem mais avançada... Ah, sim: nosso poderoso telescópio visualiza também as épocas, pois organizamos tudo em ordem cronológica, lembra?

Pois bem: são estes contextos histórico-sociais que nos trouxeram a resposta para uma pergunta bem técnica: “por que diabos teriam surgido tantos nomes diferentes em apenas dois séculos?” - e a resposta nos surgiu parecendo bem clara: os Trovadores teriam “bagunçado ainda mais” a vida de praticamente todos os reinos europeus, viajando de lá pra cá, literalmente “fazendo arte” até no meio da rua, com poesias e músicas onde misturavam palavras árabes (no início), com o latim popular e as tais várias línguas diferentes em desenvolvimento... Não é difícil de entender, né? Queria-se comunicar... e todas as línguas (ou rudimentos delas) que existiam, à época, eram utilizadas como se conseguia, para facilitar a comunicação, o entendimento.

Inclusive, um dos mais famosos intercâmbios de línguas, chamado “língua dos Trovadores”, seria o tal OCCITANO - também citado como LANGUE D’OC, PROVENÇAL ouROMANCE, dependendo do tipo de estudo, da região e da época. Esta principal “língua nascida de intercâmbios” teria começado na região que hoje corresponderia às fronteiras da Cataluña/Espanha com a França e que, não por coincidência, são grandes influências das línguas faladas hoje nestes lugares, assim como em Portugal, Galícia outras regiões que faziam parte da grande península Hyspanica. O Occitano e suas variações se espalharam por toda a “Europa então conhecida”, como um “mexidão” de segmentos de línguas, muito graças aos Trovadores. O afirmamos porque, ao colocar em ordem cronológica o grande número de registros antigos, observamos que a maçica maioria viria de poesias e de textos de religiosos, onde se observam os intercâmbios se sucederem pelo passar do tempo.

Só lembrando, o costume nômade árabe já acontecia antes deles invadirem a Europa, assim como uso de cordofones portáteis, rimas, cantorias, etc. Estes costumes depois foram gradualmente encampados (copiados, pode se dizer?) por nativos de todos os territórios europeus, com algumas alterações e intercâmbios de características. Atestam-se assim grande parte das evoluções dos instrumentos, pelos nomes, formatos e outros detalhes descritos, e paralelamente, o que acontecia com as línguas.

Enfim, de nosso muito atento e dedicado estudo, onde buscamos a maior abrandência possível (de dados, línguas, ciências, visões, etc.), o que concluímos é que nem faz sentido tentar entender VIOLA - um dos principais nomes de cordofone surgidos nesta época (séculos XII e XIII) - pelo viés de apenas uma língua (ou cultura): o processo foi, claramente, múltiplo. E as evidências são muito claras: quando analisamos estudos em cada língua em separado, por exemplo, a multiplicidade se evidencia pelas lacunas nos textos, como excelentes estudos publicados por alemães e ingleses que quase sempre desconsideram registros e termos em latim e línguas latinas - e vice-versa.

Outra clara evidência é que inclusive os citados escritos em Latim, feitos por religiosos - língua que consideramos, por assim dizer, o “Latim oficial” após a queda de Roma - apresentam claras influências do “vulgare” (o latim popular) e das várias línguas em desenvolvimento, independente do entendimento moderno da separação entre línguas “românicas” ou “romances” (oficialmente consideradas como influenciadas pelo Latim) das demais, chamadas “germânicas” (não só alemão, mas também o inglês, dinamarquês, etc.). Separadas, sim - mas não completamente - pois, como dissemos, os padres seguiram usando o latim por praticamente todos os territórios, por séculos.

Ousamos chamar de “intercâmbios”, mesmo que linguistas só costumem apontar “pequenos empréstimos”, que teriam acontecido só a partir do Latim para algumas línguas, pontualmente. E também ousamos citar este “Latim oficial após a queda de Roma”, mesmo que vários linguistas pareçam não o considerar tanto. O que os registros em ordem cronológica apontam é que teria havido “empréstimos” tanto nas diversas línguas em desenvolvimento quanto nos próprios textos em Latim “oficial”, ou seja, “de lá pra cá e de cá pra lá”, indo e voltando, pelos séculos - basta observar também as nacionalidades dos padres-autores, ou os locais onde os registros originais teriam sido feitos. E observar também que o Trovadorismo se tornou tão popular que há diversos registros até de padres que escreviam versos rimados - assim como outros tipos de poetas, legitimamente europeus, que passaram a copiar costumes árabes difundidos por cerca de sete séculos (!).

No popular? O Trovadorismo, com auge nos séculos XII e XIII, teria “bagunçado a zorra toda”, não só na música / instrumentos musicais, mas também outros costumes sociais que apontam mudanças a partir daquela época (e que descrevemos, em detalhes, no livro A Chave do Baú). Instrumentos musicais normalmente reagem a mudanças sociais de grande impacto - e isso também comprovamos, várias vezes, com outro olhar de “telescópio”, só que mais ampliado ainda (do século II aC. ao século XVI)... mas aí já são outras prosas...  

  Muito obrigado por ler até aqui... e vamos proseando...   

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS:

Em Latim:

Tratados e textos de Cicero, Homero, Virgílio, S. Isidoro e outros [disponíveis pela internet]

AGRICOLA, Martinus. Musica Instrumentalis - 1542 [1529]

PRӔTORIO, Michaele. Syntagmatis Musici - 1615

KIRCHER, Athanasius. Musurgia Universalis - 1650

DU CANGE, Domino. Glossarium Mediae et Infimae Latinitatis - 1877

Em Italiano:

LANFRANCO, Giovani. Scintille di musica - 1533

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina - 1542

BONANNI, Fillippo. Gabinetto Armonico - 1722

Em Espanhol:

BERMUDO, Juan. Declaracion de los Instrumentos Musicales - 1555

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola - [1596]

CERONE, Domenico Pietro. El Melopeo y Maestro - 1613

Em Português:

OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses - [1964]

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789) [Revista Nassare] - 1985

BRANCO João de Freitas. História da Música Portuguesa - 1995

Em Francês:

PLAYFORD, John.  A brief introduction to the Skill of Musick - 1667

ROUSSEAU, Jean. Traite de la viole - 1687

LAVIGNAG Albert. Encyclopédie de la Musique - 1920-1927 (vários volumes)

Em Inglês:

*BURNEY, Charles. A General History of Music - 1782

OCURRY, Eugene. On the Manners and Customs of the Ancien Irish- 1873

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family - 1883

GALPIN, Francis W. Old English Instruments - 1911

SACHS, Curt. The History of Musical Instruments - 1940.

Em Alemão:

DIEZ, Friedrich. Etymologisches Wörterbuch der Romanischen Sprachen - 1878

AMBROS, August Wilhelm. Geschichte der Musik - 1880

SACHS, Curt. Real-Lexikon der Musikinstrumente - 1913

*Em destaque, pelo estudo sobre o latim popular e as poesias provençais - Burney (1782, p. 224-230).


MANCHETE DO DIA 19/06/2023


QUATRO VIOLEIROS ESQUECIDOS PELA HISTÓRIA

Viola, Saúde e Paz!

Quem já leu sobre a história da música popular brasileira deve ter reparado que as narrativas costumam começar a partir do surgimento do choro, ali por meados do século XIX - sendo muito citadas, como nossas origens, as modinhas e os lundus - mas sem muitos apontamentos de datas nem detalhamentos sobre estas prováveis origens. 

Desta forma, portanto, muitos desprezam cerca de 350 anos de nossa História - quando há registros de instrumentos chamados de violas tocados no Brasil desde o início da Colonização. Também são desprezados os múltiplos caminhos que aquelas violas seguiram até os dias atuais; sequer a óbvia (por ser numericamente mais expressiva) evidência delas no caipirismo. Por que violas não entrariam nas estatísticas históricas da “música popular brasileira”?

Em nosso livro A Chave do Baú falamos a respeito disso, em um capítulo carinhosamente elaborado. Raros são os estudos sobre o samba, por exemplo, que contemplam suas raízes nas violas dos escravizados, dos batuques e lundus - dois nomes de “ritmos” ou “danças”, mas que eram também nomes de “reuniões” (para se cantar, dançar e tocar). Mesmo estudiosos sérios, aos quais admiramos e nos beneficiamos pelos vários trabalhos de altíssimo nível, não teriam observado as evidências nas muitas citações de estrangeiros do início do século XIX. Alguns estudiosos chegando a afirmar (e seguem teimando) que os escravizados tocariam só instrumentos de percussão ou só marimbas.

Dizemos que “seguem teimando” porque desde 2022 disponibilizamos farto levantamento de registros, que naturalmente precisam ser analisados em conjunto, como uma somatória - pois constatamos em diversos estudos que talvez os equívocos sejam de se basearem em poucos registros. No mínimo, entendemos ser necessário analisar em conjunto citações de instrumentos e das reuniões citadas por Lindley (1806, p.127), Koster (1816, p. 241), Freyreiss (1968[1814], p. 122), Wied-Neuwied (1825, p. 91), Saint-Hilaire (1847-1848, p.160) e Mattos (1836, p. 37). Estes, apontamos nas referências ao final aqui, mas há ainda outros listados cronologicamente em nossa monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil.

Nos batuques - de longe, a manifestação popular mais evidente em todo o país nos primeiros séculos - há vários registros de instrumentos de harmonia, cordofones com pelo menos dois tamanhos distintos, usados tanto para cantigas mais dolentes (mais prováveis origens das modinhas) quanto para animadas e sensuais danças (que já eram chamadas de lundus). Aqueles instrumentos eram chamados de “violas”, em português - e nos relatos de estrangeiros, variações do termo “guitarra”, conforme cada língua diferente, como gitern ou guitar (em inglês); guiterre ou guitare (em francês); chitarra (em italiano) e Guitarre ou Gitarre (em alemão). Além disso, antes dos mais remotos registros conhecidos sobre o choro, há registros destas mesmas pessoas pretas (escravizados e forros), com instrumentos de descrições similares, tocando em eventos populares e também religiosos (estes, tanto dentro quanto fora das igrejas, como procissões, folias, etc.).

A precariedade de dados e de estudos existentes antes, sobretudo sobre violas dedilhadas, além de preconceitos diversos, podem ter sido as causas desta atual desconsideração histórica geral. Ajudar a suprir esta lacuna é dos principais objetivos de nossas pesquisas (para não dizer “de toda nossa carreira artística”).

Nossa metódica reinvestigação aos estudos feitos aproximadamente nos últimos 60 anos (e à todas as fontes apontadas por estes, e mais algumas), que no conjunto remetem à História dos cordofones ocidentais, constata-se, por exemplo, que não há evidências de violões no Brasil antes da década 1820 - estes vindo a se consolidar por aqui só na década de 1840. Já a primeira menção a um possível “cavaquinho” aponta também o ano de 1820 - tendo demorado também alguns anos até se observar a sua consolidação. Antes de 1820, portanto, é bom considerar com precisão os inúmeros registros de instrumentos chamados de viola por aqui, mesmo com poucos detalhes tendo sido narrados (pois estes são suficientes para evidenciação e atestação).  

Esta afirmação se ancora em estudos e registros de respeitáveis portugueses, espanhóis, brasileiros e outros, sobre dados levantados (dados que checamos, um a um) a partir de instrumentos remanescentes, métodos, romances, registros de alfândega, periódicos e contextualizações histórico-sociais. Nosso acréscimo à equação investigativa, no caso, além das literaturas e estudos já publicados que conferimos, foram exaustivos levantamentos em periódicos, hoje disponíveis pela internet na Biblioteca Nacional Digital. Um detalhado apontamento de dados e suas fontes, em ordem cronológica, desde o início da Colônia, foi principalmente o que publicamos em nossa monografia.

Neste Brevis Articulus destacamos quatro grandes personagens até bastante lembrados em estudos, mas curiosamente não tão citados como tocadores de viola; estes seriam, possivelmente, os quatro maiores violeiros da nossa História, por terem sido pilares da nossa música popular (sim, nos atrevemos a afirmar: “música popular” - às vezes tão popular que era executada nas ruas!). Dados, há; não podemos afirmar com certeza porque a maioria não os citam, só desconfiamos.

GREGÓRIO DE MATTOS GUERRA (1636-1696): soteropolitano muito citado como grande poeta, o "Boca do Inferno" (e seu irmão, Eusébio) têm registros como tocadores de viola segundo: Nuno Marques Pereira (1939 [ca.1823]);  Manuel Pereira Rebello ([MATTOS], 1882, p. 23);  Dr. Paulo Castagna (1995, p.4); Fernando da Rocha Peres (jornal Folha de SP, 20 de outubro de 1996); José Ramos Tinhorão (1998, p.55-76); Dr. Francisco Topa (1999); Dr. Rogério Budasz (2001, p.12) e Dr. Ivan Vilela (2011, p. 123).

DOMINGOS CALDAS BARBOSA (1740-1800): carioca, autodenominado "Lereno Selinuntino", o padre e poeta árcade famoso até em Portugal foi citado como tocador de viola por: Luís da Câmara Cascudo (2005 [1954], p. 584); Bruno Kiefer (1977); José Ramos Tinhorão (1998, p. 115-125); Adriana de Campos Rennó (1999); Dr. Rogério Budasz (2001, p. 73-76); Dr. Paulo Castagna (2006) e Dr. Ivan Vilela (2011, p. 124-127).

JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA (1767-1830): o "Padre Mestre" carioca - maestro, compositor, arranjador e Mestre de Capella Real de D. João VI - em violas teria aprendido a tocar e depois iniciado aulas que deu durante décadas, segundo: Manoel Araújo Porto Alegre (1856, p. 359); Innocencio Francisco da Silva (1859, p. 203-246); Dr. Manoel Duarte Moreira de Azevedo (1861, p. 295; 1877, p. 323); Dr. Joaquim Manoel de Macedo (1876, p. 481); Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay (1895, [tomo IV], p. 229); Dra. Cleofe Mattos (1996, p. 44) e Dra. Márcia Taborda (2004, p. 14-16).

JOAQUIM MANOEL GAGO DA CÂMARA (ca.1771-ca.1838): também carioca, ligado às mais remotas modinhas brasileiras e que também foi destaque em Portugal, foi citado unicamente por Adrien Balbi (1822, p. 213) como tocador (e até "inventor"!) de um cavaquinho - porém as demais citações da época apontaram que tocasse pequenas guitares (que seriam as chamadas violas machetes ou machinhos), pelos franceses Louis Claude Desaulses de Freycinet (1827, p. 216) e sua esposa Rose (BUDASZ, 2001, p. 72); ou que ele tocava "viola", como citaram os portugueses Manuel du Bocage (1867, v.2, p.243 ), Inocêncio Francisco da Silva e Feliciano de Castilho Barreto e Noronha (DU BOCAGE, 1867, v.2, p. 244-245). A estes citadores estrangeiros, secundaram o entendimento de Joaquim como tocador de viola os brasileiros José Ramos Tinhorão (1998, p. 115); Dr. Rogério Budasz (2001, p. 72); Dra. Márcia Taborda (2004, p. 41); Dr. Marcelo Fagerlande (2005) e Dr. Eric Martins (2005, p.21).

É preciso reconhecer que José Ramos Tinhorão (1928-2021) já defendeu a origem da música popular brasileira a partir das que nós chamamos “Violas Pretas” - ou seja, “violas tocadas pelos escravizados” - porém o jornalista paulista não teria apontado tantos dados e desenvolvimentos metodológico-científicos quanto acrescentamos agora.

E é agora também que chegamos a algumas questões: terá sido coincidência que tantos pretos tenham apresentado tanta excelência musical que seus registros prevaleçam até hoje, tendo vivido em épocas que as violas eram tão tocadas? E terá sido também por coincidência que suas relações com os instrumentos sejam tão pouco lembradas, a não ser Domingos Caldas? Este, mais difícil negar, vez que seus dois livros trazem como título VIOLA de Lereno.

Por que será que “dá este branco” na mente de tantos estudiosos e historiadores, já há algum tempo? E por que será que nem os pretos parecem saber ou se importarem com estas coisas?

O que podemos fazer é apresentar dados e perguntas.

Muito obrigado por ler até aqui - e vamos proseando...   

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro A Chave do Baú é fruto da monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil e do artigo Chronology of Violas according to Researchers). 

REFERÊNCIAS:

AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Biographia do Padre José Maurício Nunes Garcia. Revista do Instituto Historico e Geographico do Brazil, v.34, p. 293-304. Rio de Janeiro, 1861.

AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: sua historia, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. v.1. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1877.

BALBI, Adrien. Essai Statistique sur le Royane de Portugal et D’Algarve. 2ª ed. Paris: Chez Rey et Gravier, 1822.

BUDASZ, Rogério. The Five-Course Guitar (Viola) in Portugal and Brazil in the Late Seventeenth And Early Eighteenth Centuries. 2001. Tese (Doutorado em Filosofia) – GSUSC, Califórnia (EUA), 2001.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005 [1954].

CASTAGNA, Paulo. Herança ibérica e africana no lundu brasileiro dos séculos XVIII e XIX. In: VI Encuentro Simposio Internacional de Musicología / VI Festival Internacional de Música Renacentista y Barroca Americana “Misiones de Chiquitos”. 2006, Santa Cruz dela Sierra (Bolívia), actas, p. 21-48. Santa Cruz de la Sierra, Asociación Pro Arte y Cultura, 25-26 abr. 2006.

CASTAGNA, Paulo. A Viola no Brasil. In: FILGUEIRAS, Otto; SOUZA, Ernesto de. Viola: alma cabocla; a arte dos violeiros, expressão mais forte da música do campo brasileiro, tem seu valor reconhecido na cidade. Globo Rural, Rio de Janeiro, ano 10, n.114, p.56-63, 1995.

DU BOCAGE, Manoel Maria; BARRETO E NORONHA, José Feliciano de Castilho (pref.). Excerptos. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1867.

FREYCINET, Louis Claude Desaulses de. Voyage autour du monde. Paris: Chez Pilé Ainé, 1827.

FREYREISS, Georg Wilhelm. Reisen in Brasilien. InMonograph Series – Staten Etnografiska Museum (Sweden), Publication 13, p. 431-554, Stocolmo, 1968.

KIEFER, Bruno. A Modinha e o Lundu: duas raízes da música popular brasileira. Porto Alegre: Movimento - UFRS, 1977.

KOSTER Henry - Travels in Brazil. Londres: Paternoster-Row, 1816.

LINDLEY, Thomaz. SOULÉS François (trad.). Voyage au Brésil. Paris: Leopold-Collin, 1806.

MACEDO, Joaquim Manoel de. Anno Biographico Brazileiro. v. 1. Rio de Janeiro: Typographia e Lithographia do Imperial Instituto Artístico, 1876. 

MARTINS, Eric Aversari. A viola caipira, a modinha e o lundu. 2005. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2005.

MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia: biografia. Rio de Janeiro: FBN, 1996.

[MATTOS, Gregório de]. Obras poéticas de Gregorio de Mattos. Tomo I. Prefácio de Alfredo do Valle Cabral. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882.

MATTOS, Raimundo José da Cunha. Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiaz. Tomos I e II. Rio de Janeiro: Typografia Imperial, 1836.

NEUWIED, Prince Maximillian. Travels in Brazil in 1815, 1816, and 1817. London: Richard Philips & Co., 1825.

[PEREIRA, Nuno Marques]. Compendio Narrativo do Peregrino da América. Completada com a 2ª parte, até agora inédita, acompanhada de notas e estudos de Varnhagen, Leite de Vasconcelos, Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Calmom. v. II, 6ª ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira, 1939. 

PORTO ALEGRE, Manoel de Araújo. Apontamentos sobre o Padre José Maurício. Revista do Instituto Historico e Geographico do Brazil. Rio de Janeiro, [terceira série, tomo XIX], p. 354-369, 1856. 

RENNÓ, Adriana de Campos. Violando as regras: uma releitura de Domingos Caldas Barbosa. São Paulo: Arte & Ciência, 1999.

SAINT-HILAIRE Auguste deVoyage aux sources du Rio de S. Francisco et dans la provence de Goyaz. [Tomos 1 e 2]. Paris: Artus Bertrand, 1847-1848.

SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionário Bibliographico Portuguez. [Tomo segundo]. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859.

TAUNAY, Afonso de E. Padre José Maurício. Revista Brasileira. [Tomo IV], p.229-338, Rio de Janeiro, Out./dez. 1895.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

TOPA, Francisco. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. v.1, tomos I e II e v.2. 1999. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Fac. de Letras da Univ. do Porto, 1999.

VILELA, Ivan. Cantando a própria história. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, 2011.


MANCHETE DO DIA 12/06/2023


CHORA, VIOLA: a mais remota citação

“[...] Algumas vezes, [Nóbrega] estando em Piratininga com poucos Irmãos, mais afastado de negócios, se metia na sacristia com um devoto amigo, que lhe tangia uma viola às portas fechadas e ele, entretanto, se estava desfazendo em lágrimas com muita serenidade.”

(José de Anchieta, entre 1562 e 1570)

Viola, Saúde e Paz!

Um dos maiores apoiadores de nossas publicações é Richard Konig, de Belo Horizonte (MG), que tem o costume de postar, em suas redes sociais virtuais, fotografias de petiscos (ou “tira-gostos”) que parecem ser deliciosos - postagens às quais costuma legendar com a frase: “Chora, cachaça!”...

O bom humor de Richard, típico das redes, entendemos que venha da frase “Chora, Viola!” - título e frase-refrão (praticamente um “mote”) de música de Lourival dos Santos & Tião Carreiro, lançada por este último e seu parceiro mais destacado, o Pardinho, em 1973. Aquela viola, posta a chorar, também estaria relacionada a lendas sobre a afinação que Tião e a maioria usava e que hoje em dia a maioria usa em suas violas: a afinação “Cebolão”; rezam estas lendas que este nome viria do fato de que, quando os violeiros a utilizam, fazem as moças chorar...

Outra lenda conhecida, mais ou menos relacionada à viola que chora (ou que sofre), vem do compositor na verdade maranhense, mas que ficou conhecido como Catulo da Paixão Cearense (1863-1946). Segundo um poema de Catulo, Jesus teria gostado de ouvir São Pedro pontear viola numa canoa, mas São Pedro teria dito que a viola não teria sido feita da madeira da canoa, mas da Cruz de Cristo: “[...] a viola ainda sofre tudo que sofreu Jesus!”. Esta última lenda, ouvida tantas vezes em declamações do querido e saudoso padrinho Rolando Boldrin (1936-2022), atrevemos até um dia a musicar, e demos por título da música “A Viola de Catulo” (disponível para audição em nosso Canal no Youtube). A composição foi feita por solicitação e sugestão de outro ídolo nosso, o historiador baiano Dr. José Américo Lisboa Júnior, que nos brinda com uma excelente biografia de Catulo: “Da modinha ao sertão: vida e obra de Catulo da Paixão Cearense” - leitura que indicamos, enfaticamente.   

Lendas à parte, não conseguimos (ainda) dados de época suficientes sobre a origem da afinação chamada Cebolão, mas há evidências que apontam para o blues estadunidense - este, por sua vez, que teria surgido a partir de escravizados de origem africana, que existiram tanto lá quanto por aqui. Nos Estados Unidos, afinações abertas Open E (em Mi Maior, como a “Cebolão”) e Open G (em Sol Maior, no Brasil conhecida por “Rio Abaixo”) também ainda sobrevivem. “Mi Maior” e “Sol Maior” são nomes de acordes na música tonal ocidental: dizemos “afinação aberta” quando as cordas de um instrumento refletem, soltas e em conjunto, um acorde.

É incontestável que o uso de afinações abertas facilita a execução musical, exigindo menos agilidade e uso de menos dedos por vez; há quem defenda diferente, com base em teorias, mas os dedos dos escravizados eram muito prejudicados pelas atividades e atrocidades que lhes eram impostas - e os escravizados têm fartos (e vergonhosos) registros de época para sustentarem uma, portanto, mais provável origem de utilização de afinações abertas.      

No Brasil, tudo aponta que Cebolão seja uma afinação surgida no Estado de São Paulo; se não foi por lá que surgiu, pelo menos é onde se consolidou como preferida, principalmente após o sucesso comercial do modelo Viola Caipira, a partir de meados da década de 1970. Observam-se hoje até variações de Cebolão em “Mi Bemol Maior” e “Ré Maior”, acordes próximos do Mi Maior original (variações que, só por existirem,  também indicam ser aquela a afinação mais utilizada): segundo relatos inclusive presenciais que acompanhamos há décadas (sim, somos “do meio” também, além de monitorar diariamente pelas redes), estas variações seriam para adaptações a deficiências de instrumentos e/ou de jogos de corda - e/ou também para facilitar o canto, por exemplo, por longas cantorias (o tom “Ré Maior” é mais grave que o de “Mi Maior”, exigindo por isso menos esforço no esticar das cordas, e também menos esforço vocal para cantar as mesmas músicas).

Outra alegação plausível para a preferência por Cebolão é que esta se aproximaria, pela timbragem, à do violão - o principal acompanhador das violas, e que tem duas de suas seis cordas afinadas na nota Mi (a mais grave e a mais aguda). Há relatos, embora mais raros, de duplas onde se afina às vezes o violão (!) em tonalidades um pouco mais graves para equivaler às de alguma viola “que não aguentaria” ser afinada no Mi Maior padrão, dos diapasões.

As adaptações / variações de afinação poderiam trazer interessantes reflexões sobre um paralelo entre “conhecimento musical teórico” e “musicalidade prática”: não seria necessário alterar todas as cordas para tocar uma música em qualquer das 24 tonalidades possíveis, mas a escolha recái pela facilidade prática em apenas repetir os mesmos desenhos dos acordes (mudando a afinação das cordas) e pela acertada escolha de timbragem, valorizando o uso de cordas soltas durante as execuções. O timbre das cordas soltas é, sem dúvida, um brilho a mais, característico das violas.

Nos modelos remanescentes da família das violas portuguesas, só teria sobrevivido uma “afinação  aberta”: a das violas da Ilha da Madeira, ainda afinadas em Sol Maior (“Rio Abaixo”). Já na Família das Violas Brasileiras (postulação científica inédita nossa), principalmente no modelo Viola Caipira, as afinações abertas aparecem: além das já citadas e mais conhecidas Cebolão e Rio Abaixo, há a Rio Acima (em Dó maior) e outras - assim como há afinações que refletem a afinação do violão (não aberta, chamada “Natural”). São muitas as variedades de afinação ainda utilizadas pelo Brasil, o que também aponta que, definitivamente, as violas não são não são um instrumento único, padronizado, como o violão - mas uma Família de instrumentos, como nos atrevemos a apontar e contextualizar cientificamente pela primeira vez em 2021, em nossa monografia.

Sobre os mais remotos registros da afinação Cebolão no Brasil, nossa melhor aproximação científica (como sempre, investigando abordagens não vistas em outros estudos), vem de pesquisas de campo da década de 1940 (ver lista de referências), realizadas em Goiás, pelo folclorista carioca Luiz Heitor Correia de Azevedo - “Luiz Heitor” (1905-1992) - onde curiosamente a afinação seria chamada “maxabomba” ou “italiana”. Curiosamente teriam sido observadas por lá, na época, duas afinações, chamadas “paulista” e “paulistinha”, mas que seriam diferentes da Cebolão atual.

Estes dados indicam possibilidade de que a Cebolão tenha vindo a se tornar famosa em São Paulo depois daquela época. Em contexto histórico-social, podemos indicar que após a chamada Guerra Paulista de 1932 (quando São Paulo arvorou separação do resto do país), houve uma natural busca de identidades que seriam exclusivamente paulistas, algumas vezes ignorando ou mascarando dados históricos. A afinação preferida para as violas pode ter sido assumida a partir daquela época, até de maneira informal - mas, como afirmamos, ainda temos poucos dados a respeito para uma análise mais segura, mais afirmativa.

Na década de 1950, a afinação já teria aparecido com o nome de “Cebolão”, segundo outras pesquisas de campo: as do folclorista paulista Alceu Maynard de Araújo (1913-1974). Os relatos deste pesquisador são importantes para atestar que haveria diversos modelos diferentes de viola pelo Brasil - por exemplo, só no Estado de São Paulo haveria três modelos bem diferentes: um modelo mais rústico, um modelo industrializado, e um modelo do litoral paulista, hoje consolidado, Viola Caiçara. Estes dados, entretanto, não são considerados assim em centenas de publicações focadas no caipirismo, que ainda hoje sugerem que o modelo Viola Caipira seria o único - e/ou o mais remoto, gerador dos demais. Mas falando de coisa boa, tempo bom foi aquele, em que folcloristas buscavam e se embasavam em registros capazes de contribuir com pesquisas para sempre - e não apenas lendas.

Conseguimos descobrir que a “viola chorosa” (ou, “que fazia chorar”) estaria literalmente na mais remota citação ao nome do instrumento registrada no Brasil, referente aos últimos anos de vida do jesuíta português Manuel da Nóbrega (1517-1570). O texto destacado no início deste nosso Brevis Articulus nós observamos no livro Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554-1594), edição organizada pelo crítico literário e historiador baiano Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947); além de, com termos quase iguais, no livro Chronica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil, escrito pelo clérigo português Simão de Vasconcellos (1597-1671). Estas citações também foram observadas por dois importantes musicólogos contemporâneos: o Doutor Paulo Castagna eo Doutor Marcos Tadeu Holler (ver referências ao final). Estes estudiosos apontam que os escritos originais de Anchieta teriam se perdido, restanto só cópias posteriores - o que nos obriga a lembrar que há possibilidade do termo original utilizado pelo padre espanhol não ter sido exatamente “viola”, mas vihuela ou talvez até guitarra - este último, que observamos em outra publicação de Anchieta, de 1595: Arte da Gramática da Língua mais usada no Brazil.

Nunca queremos enganar ninguém: diferentes cordofones eram chamados de “viola” à época, pelos portugueses - e a verdade, mais verdadeira, segundo as evidências, é que “violas” não teriam mesmo existido, com alguma diferenciação a outros cordofones, antes do século XVIII: teria havido apenas o nome “viola”, empregado para diversos tipos de cordofones. Isto é das muitas coisas que temos coragem de afirmar pois contextualizamos cientificamente, e não é visto em outros estudos. É, ora pois, por citações posteriores à época original que apontamos que teria sido “viola” o nome mais provável utilizado, somado à prática atestada em cerca de três séculos, por dezenas de registros. Isto é muito diferente de “criar lendas”, pois os registros existem e nós sempre os apontamos.

A que seria então a mais remota citação, não é assim apontada em estudos (ainda?), mas tivemos a perspicácia de nos aprofundarmos nas análises: Anchieta teria citado Nóbrega adoentado a partir de 1560 - conforme confirmado pelo próprio Nóbrega, no livro Cartas do Brasil, outro também organizado por Afrânio Peixoto, publicação de 1931 - sendo que a única carta onde Anchieta tenha citado Nóbrega doente, eles dois estando juntos, seria a entitulada “Ao geral Diogo Lainez, de Piratininga, março de 1562, recebida em Lisboa a 20 de setembro do dito ano”. Por isso, ousamos afirmar que a citação só poderia ter sido feita entre 1562 e 1570, tendo sido assim a mais remota conhecida até então.

Sim, ciência de verdade é assim: “até então...” - pois vai que alguém descobre um dia documentos que possam desementir ou acrescentar dados? Por isso, seguimos semanalmente atentos, pesquisando e escrevendo. É curioso: poucos percebem que a verdadeira prática científica (inclusive sobre a História) não se limita “ao que já passou e/ou já foi estudado”, mas um observar contínuo e sempre aberto a novos dados ou novas metodologias de análise.

A nossa “sorte” de conseguir atestar o mais remoto registro de “viola” no Brasil, quando tantos já teriam lido antes os mesmos registros, vem da metodologia que usamos e até ensinamos a usar no livro A Chave do Baú; essa tal dessa “chave” nada mais é que uma metodologia científica, um método que consiste em: mergulhar atrás dos registros, o máximo que se puder conseguir; então, organizá-los e analisá-los em ordem cronológica, aplicando contextos histórico-sociais de acordo com cada época. “Que nem” demonstramos aqui, com a mesma linguagem solta e brincalhona, e não por coincidência: somos honestos, precisamos e intencionamos vender livros. A diferença é que nos embasamos em fatos e registros comprováveis para vender nosso “peixe”, não em lendas.   

Para sermos também bem sinceros, a verdade é que nem tínhamos observado a princípio que a viola, portanto, estaria “ligada a lágrimas” desde o começo da Colônia... Na verdade, foi outro amigo - o violeiro e produtor botucatuense Osni Ribeiro - quem nos apontou, brincando, a interessante “coincidência” (dar o devido crédito, para nós é mais que obrigação: é ética, postura, compromisso com a honestidade).

Isto tudo acabou por se tornar também uma história agradável, daquelas de se contar “à beira do fogo” - com a diferença de que tem lastro histórico em registros apontáveis. Ou seja, não é preciso inventar nenhuma lenda, a viola já tem ótimas histórias, verdadeiras e interessantes por si só.

Daí, até vermos como estes instrumentos chamados de viola se desenvolveram até os dias atuais, há muitas outras boas histórias para contar - mais aí já são outras prosas: muito obrigado por ler até aqui - e vamos proseando...    

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

(Para uma relação das principais afinações, número de cordas e demais detalhes de todas as violas portuguesas e brasileiras, baixe de graça em PDF - cortesia João Araújo / Viola Urbana Produções:

Facebook: Viola Brasileira Em Pesquisa

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS (além das já detalhadas no texto):

ARAÚJO, Alceu Maynard de. A Viola Cabocla [compilação de artigos]. Revista Sertaneja, São Paulo, v. 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13 e 14 - de jul. 1958/maio 1959. São Paulo: [internet], 1964.

CASTAGNA, Paulo. Fontes bibliográficas para a pesquisa da prática musical no Brasil nos séculos XVI e XVII. 1991. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Artes) – Universidade de São Paulo, 1991.

HEITOR, Luiz. A moda de viola no Brasil Central. Revista Cultura Política, Rio de Janeiro, ano 3, nº 32, p. 181-184, set. 1943a. 

HEITOR, Luiz. Violas de Goiaz. Revista Cultura Política, Rio de Janeiro, ano 3, nº 34, p. 293-295, nov. 1943b.

HOLLER, Marcos Tadeu. Uma História de Cantares de Sion na terra dos Brasis: a música na atuação dos jesuítas na América Portuguesa (1549-1759). 2006. Tese (Doutorado em Música) – Instituto de Artes da UNICAMP, Campinas SP, 2006.

WERNECK, Luana Aguiar. Imprensa, partido e universidade: a trajetória intelectual de Alfredo Ellis Júnior (1922-1952). 2017. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – PUC, São Paulo, 2017. 


MANCHETE DO DIA 05/06/2023


SERIA O CAIPIRISMO “FAKE NEWS”?

“[...] Uma sociedade que não estuda história não consegue entender a si própria porque desconhece suas raízes e as razões que a trouxeram até aqui.

(Laurentino Gomes, no livro 1808).

Viola, Saúde e Paz!

Quem pesquisa, descobre e divulga dados históricos, como fizemos no livro “A Chave do Baú”, normalmente enfrenta grandes desafios - sobretudo quando estes dados comprovam realidades diferentes das que a sociedade estiver acostumada a acreditar, às vezes por décadas, por “ouvir dizer” ou por teorias.

No caso do caipirismo - interpretação implantada e defendida com muita dedicação e competência pelo genial empresário cultural paulista Cornélio Pires, entre 1910 e 1945 - a resistência vem de vários fatores, afinal somos um povo:

- com DNA ligado à religiosidade, desde os indígenas, os escravizados e os brancos europeus, de onde vem entendimentos de que “não se deve questionar muito e basear-se mais na fé” e ditados como “a voz do povo é a voz de Deus”;

- muito criativo e admirador de histórias agradáveis, que fazem sentido, convenientes e com apelos sentimentais;

- que não tem muito hábito de leitura, menos ainda de buscar confirmações (dados e fatos) sobre o que se “ouve falar”;

- onde valorizar mais a “sabedoria popular” é entendido como um tipo de inclusão social, onde muitas vezes se esquece da importância de também ler e refletir;

- capitalista, onde são permitidas promoções de vendas de produtos e serviços sem que estas ações sejam fundamentas em dados históricos.

  Todos estes fatores estão perfeitamente “dentro da lei” e Cornélio Pires, inteligentemente, parece que já o teria percebido; tão inteligente que chegou a registrar, em um dos seus livros (As estrambóticas aventuras do Joaquim Bentinho - o queima campo), que o que escrevia eram “[...] casos e mentiras”, o que nos faz lembrar que seus textos eram artísticos: ele jamais se colocou como “pesquisador” ou “fornecedor de dados científicos, históricos, comprováveis”. Sem dúvida, Pires era genial.

Haveria de fato diferença entre “interioranos” e pessoas “da cidade”? Haveria algum preconceito, contra o qual Pires se arvorou a defender? Muito provavelmente, tanto naquela época quanto até hoje, sim; mas... A “pegadinha histórica” é que isto não teria evidência de ter existido daquela forma antes. Repetimos: a visão interpretativa é genial e acabou por originar o atual “entendimento coletivo” da existência de uma “cultura ancestral”, que precisaria ser defendida: assim, não apenas os que sofrem preconceito, mas vários outros membros da sociedade se sentem incentivados a também defender a tal “cultura”, pois (sem dúvida) toda luta contra o preconceito é nobre, louvável, digna.

Por outro lado, faz quem “adere à luta” se sentir importante e mais próximo de seus pares - uma questão de ego, inerente a todo ser humano. Somam-se a estes nobres altruístas outros “simpáticos à causa” que a defendem também (e fortemente) pelo mercado de consumo relacionado. Conforme já dissemos, tudo isso é totalmente permitido pelas leis brasileiras, não importando muito se teria base histórico-científica.

Outra “pegadinha histórica” é que o termo “caipira” - termo forte e muito bem escolhido por Cornélio Pires para dar nome à possível cultura - já existia desde cerca de 100 anos antes (localizamos registros desde 1822) e não teria sido utilizado como Pires interpretou. As primeiras décadas apontam “caipira” principalmente como um apelido político - por exemplo, como hoje são chamados de “tucanos” os partidários do PSDB; não se observava quanto a “caipira” preconceito ou pejorativismo, as pessoas utilizavam o apelido até para si mesmas (como em divulgações atuais do citado partido, o pássaro tucano costuma ser representado). Uma embarcação com o nome de “Sumaca Caipira”, por exemplo, tem vastos registros de viagens comerciais entre várias regiões do Brasil entre 1824 e 1836... Sabia?

Já uma divisão social onde se constata preconceito só faz mais sentido a partir da consolidação das fases da Revolução Industrial - exatamente a que deu origem ao atual capitalismo, a criação e venda de produtos em série, de comércio livre. Há claros registros a partir da década de 1850, por exemplo, de pessoas chamadas de “caipiras” por serem proletários (“trabalhadores simples, de base”) - mas que não teriam sido apenas os ligados à atividade rural, muito menos apenas aos de pequenas propriedades, mas também estrangeiros, negros e outros. E não somente em São Paulo, mas por várias regiões brasileiras... Portanto, se era uma possível “cultura”, era uma cultura de proletários brasileiros em geral, não apenas rurais - mas Cornélio e estudiosos que vieram depois fazem questão de indicar apenas o recorte do preconceito, real, acontecido contra rurais paulistas.

Outra ideia genial é alegar que o termo “caipira” teria sido originário do tronco linguístico tupi-guarani (alegação que ainda se encontra muito pela internet) - assim sugerindo ligação histórica desde o chamado Descobrimento do Brasil (ou até antes, talvez?). Este tipo de insinuação foi apresentada por Pires, por exemplo, em seu livro “Conversas ao Pé do Fogo”, onde muito inteligentemente foi introduzida pela frase “[...] nada tenho deduzido com certeza”, mas logo em seguida são apresentados termos que segundo ele “[...] encontramos no tupy-guarany”. Não conseguimos encontrar aqueles termos, nem em dezenas de publicações da época, que poderiam ter sido consultadas por Pires, nem em dicionários sérios sobre tupi-guarani até os dias atuais.  

São várias as inconsistências históricas e todas elas poderiam ter sido apresentadas por historiadores e outros pesquisdores desde a época de Pires, porém... As obras dele não eram científicas, lembra? Não há nada de errado dele ter feito interpretações pessoais via ações artísticas. E se estava a vender bem, que mal tem, não é mesmo?

Cornélio contava com colaborações de seu primo Amadeu Amaral, considerado um estudioso, que chegou a publicar um “Dialeto Caipira” baseado em pesquisas literárias e também pesquisa de campo que teria feito em uma pequena região do interior paulista. O mais curioso, entretanto, é que Amadeu Amaral não apontou origens seguras do principal termo de seu trabalho - o termo “caipira” - nem as várias inconsistências observadas, como as que já citamos, desde 1822. Amadeu Amaral não teria descoberto ou não quis apontar, por exemplo, recolhas de época, feitas junto a indígenas (!), pelos padres José de Anchieta e João Daniel, e de estudiosos estrangeiros como Saint-Hilaire e Carl Martius.  

O caso de Amadeu Amaral é um pouco mais sério, por serem trabalhos considerados “científicos” - porém, “científicos” à maneira dele, e naquela época. Todo ser humano (inclusive um estudioso) pode às vezes se enganar - mas as colocações de Amaral e Pires já tem mais de 100 anos: muito mais curioso (e sério) é que centenas de estudos posteriores não tenham questionado e reinvestigado as inconsistências; por outro lado, como já apontamos, as histórias são agradáveis, convenientes, fazem sentido, defendem “inclusão social”, defesa de oprimidos e... vendem bem até hoje. Então...

Já o que teria ajudado muito aquelas histórias serem hoje consideradas como se fossem “verdades científicas” foram reinterpretações de estudiosos, a partir da década de 1960, onde se destaca o Dr. Antônio Cândido - que em seu livro Os Parceiros do Rio Bonito citou a suposta “cultura caipira” dos trabalhos artísticos de Pires como se fossem realidade científica de notório conhecimento. E ainda mais: que seria aplicável a toda uma grande região chamada “paulistânia” - outro conceito apenas citado por Cândido, sem apresentação de comprovações e desenvolvimentos científicos; neste último caso, a princípio, Candido não citou sequer o nome do autor em que teria se baseado para ligar a “paulistânia” a uma suposta “região caipira”, só depois de décadas vindo a assumir: sua citação teórica teria se baseado em escritos do eugenista paulista Alfredo Ellis Jr. - pessoa que, pelas ações e posicionamentos políticos dos anos 1930, similares a entendimentos depois também indicados por Hitler (de supremacia de classes), entendemos porque não teria sido dado o crédito. Ainda hoje relutamos até em citar nomes assim - mas a diferença é que seguir esse tipo de argumento em uma teoria, não o faríamos nem para ganhar muito dinheiro. Candido foi corajoso (ou ardiloso) e deu certo, pois centenas de estudiosos não costumam citar fonte, e seguem sua teoria sem questionar.    

Naturalmente, o bandeirantismo foi um fato histórico relacionado a uma grande área... Mas, para defender que a possível “cultura específica” teria surgido em área tão extensa, o mínimo que um estudioso precisaria fazer seriam pesquisas de campo por toda a grande área alegada, coletando, apresentando e contextualizando dados (sendo que, para alegar que a possível cultura seria diferente do resto do Brasil, a pesquisa de campo teria que ter sido feita por todo o país, também apontando e contextualizando as diferenças por dados). Candido teria feito pesquisas apenas em algumas poucas localidades (chegou a confessar isso no livro), num único trabalho que teria feito sobre o tema. Ellis Jr,. também não teria pesquisado toda a região (só literaturas escolhidas onde os paulistas teriam sido citados como herois). E não se sabe, até hoje, de outros estudiosos e fieis que secundam, acrescentam e defendem o entendimento coletivo (normalmente, em estudos sociológicos) que teriam feito pesquisas comparando todo o Brasil para comprovar a muito alegada “cultura diferente” oriunda dos bandeirantes devassadores, que teria sido multiplicada por tão vasta região.

É fato que há várias pessoas, em várias regiões do Brasil, que se autoproclamam “caipiras” já há algumas décadas - a voz do povo é a voz de Deus? E também é fato que para “ser caipira” hoje basta querer e defender a causa (ou não se declarar contra, publicamente) - similar ao que acontece em partidos políticos, religiões e torcidas de times de futebol. Por todo o país há interioranos, descendentes destes, pessoas que passam a viver no interior, ou simplesmente simpáticos a causa, urbaníssimos, que se declaram ter “alma caipira”. Repetimos: mesmo que Cornélio Pires nem imaginasse tamanha repercussão pelos tempos, a ideia dele foi genial.    

A outra história, de alargamento do conceito, implantada por Cândido, também é muito bem inventada, concordam? Conveniente, agradável a centenas de corações “saudosos da roça” e/ou simpáticos à causa (principalmente, paulistas e paulistanos), ou ainda a vários outros estudiosos, que se ancoram sem qualquer ressalva ou questão na importância acadêmica do nome do Dr. Cândido e de outros que vieram acumulando-se com o passar dos anos... Sem contar, naturalmente, que foi história ainda melhor para ajudar a “vender” muitas coisas até hoje em dia - ou, no caso do Dr. Candido, a conseguir bons votos para sua campanha a Deputado Estadual, que aconteceu na época da publicação de seus estudos - como apontaram sociólogos e críticos literários pouquíssimo conhecidos dos caipiras como Max Luiz Gimenes, William Santana Santos, Luiz Carlos Jackson e Luiza Moreira.  

O caipirismo não seria exatamente uma “fake news”, como as entendemos hoje, pois foi proposto originalmente em textos artísticos, sem nenhuma intenção de ser verdade histórica e científica - portanto, “acredita quem quiser” (e é bom lembrar, vivemos num país com “Liberdade de Credo/Culto”); também pode, quem quiser, replicar e ampliar as teses e invenções em novos estudos e até em textos livres (pela chamada “Liberdade de Expressão”). Mas, por outro lado, o simples fato ser apontado em estudos considerados “científicos” não comprova o caipirismo: não há registros de época anteriores a 1910, além de alguns agravantes, como: a existência de vários contextos históricos que o desabonam e o fato que este “entendimento coletivo” é bastante conveniente e rentável, podendo, talvez por isso, praticamente não ter sido sequer contestado, apesar das tantas inconsistências. A renda - o comércio que ajuda a sustentar tantas famílias - ainda hoje é popularmente mais valorizada que verdades históricas e comprováveis.

É importantíssimo lembrar que a Sociologia é uma ciência séria e, como todas, permite (e até incentiva) a criação de teorias; estas teorias, entretanto, devem sempre vir embasadas no maior número possível de dados comprováveis, e quem se arvora a apoiá-las depois deve sempre se armar e até aumentar o número de dados e de desenvolvimentos comprobatórios - o que não aconteceu com a conveniente teoria apresentada pelo grande estudioso, mas ainda assim um ser humano, Antonio Candido, nem pela centena de outros que o secundam até os dias atuais.

Observe que várias citações “desagradáveis” que apresentamos não são de conhecimento público, apesar da relativa fama que o caipirismo alcançou inclusive até entre acadêmicos - e é por isso o tratamos como “entendimento coletivo”. 

Após duzentos anos de uso do termo “caipira” no Brasil e em Portugal, nos colocamos a reinvestigá-lo por sua utilização no modelo que se tornou o mais famoso da Família das Violas Brasileiras - família também pouco ou quase nada aprofundada em estudos anteriores porque o modelo Viola Caipira acompanha popularmente, pelo nome, o citado “entendimento coletivo” e seus atrativos. Naturalmente, este modelo tornou-se com o tempo o mais rentável, comercialmente - e os demais modelos foram mais deixados de lado. Um dos principais fatores é que entre os seguidores de Antonio Candido e Cornélio Pires, dois dos maiores formadores de opinião do meio da viola (por seus inegáveis méritos e talentos), os doutores Ivan Vilela e Roberto Corrêa, apresentaram seus doutoramentos centrados no caipirismo e no modelo Viola Caipira.

O atrativo comercial implantado por Cornélio Pires, somado a um impreciso “aval científico” de vários estudiosos importantes, a partir da década de 1960, chamou a atenção também de empresas que investiram na expansão do mercado “caipira” para uma versão que romperia os preconceitos, pelo uso de novas roupagens, atrelada ao termo “sertanejo”: a “música sertaneja” - hoje, “sertanejo universitário”. Poderia alguém querer alegar, em obras artísticas, a existência de uma “cultura sertaneja”? Sim - em obras artísticas, praticamente tudo pode... E em várias matérias de jornal até hoje em dia se observam apontamentos similares. De certa forma, foi o que inspirou, entre vários outros, o mineiro João Guimarães Rosa e o carioca Euclides da Cunha, em seus livros.

Supostas culturas alavancadas principalmente pelo mercado de produtos artísticos como a “caipira” e sua cópia expansional, a “sertaneja”, só podem ser entendidas como “culturas de mercado”, não como verdadeiras culturas ancestrais brasileiras.  

Outra curiosa “pegadinha histórica” - entre tantas incoerências que observamos - surgiu ao compararmos a História dos cordofones e a História Ocidental desde o século II aC. Atestamos diversas vezes na História que nomes e características de instrumentos populares mudam quando há mudanças sociais significativas: já o nome Viola Caipira não “caiu no gosto popular” desde 1901 (mais remoto registro que observamos), sendo que o próprio Cornélio Pires, nem a maçica maioria das pessoas, não o utilizava: a consolidação do nome deste modelo só viria a acontecer a partir da década de 1970, após surgir em discos de Tião Carreiro e em contexto histórico-social de concorrência com o estilo “sertanejo”, então em ascensão... Não sabia, né? Mas aí são outras prosas...

Muito obrigado por ler até aqui - e vamos proseando...    

(João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças e quintas feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

PRINCIPAIS FONTES:

AMADEU AMARAL. O Dialeto Caipira. São Paulo: Ed. O Livro, 1920.

ANCHIETA, Joseph de. Epístola quamplurimarum Rerum NaturaliumIn: Notícias para a história e geografia ultramarinas que vivem nos domínios portugueses ou lhes são vizinhas publicadas pela Academia Real das Sciencias. [Tomo I, nº I, II e III]. Lisboa: Academia Real, 1812.

CORRÊA, Roberto. Viola Caipira: das práticas populares à escritura da arte. 2014. Tese (Doutorado em Musicologia) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2014.

DANIEL, João. Tesouro descoberto no Rio Amazonas. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1976 [1757-1776].

GIMENES, Max Luiz. Entre parceiros e companheiros: por uma releitura política de Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 69, p. 418-425. Rio de Janeiro, abr. 2018.

GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

MARTIUS, Carl Friedrich Phil. Von. Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika's zumal Brasiliens - Wörtersammlung Brasilianischer Sprachen - Glossaria linguarum Brasiliensium. Leipzig: Friedrich Fleischer, 1867.

MOREIRA, Luiza Franco. Ensaio e ciência: contextos e subentendidos de Os Parceiros do Rio Bonito, do Dr. Antonio Candido. Revista Conexão Letras, Porto Alegre, v.10, nº 13, p. 33-42, 2015.

SAINT-HILAIRE Auguste deVoyage dans les provinces de Saint-Paul et de Sainte-Catherine. [Tomos 1 e 2]. Paris: Artus Bertrand, 1851.

SANTANA SANTOS, William; GIMENES, Max Luiz; JACKSON, Luiz Carlos. Roger Bastide, Antonio Candido e a tese interrompida sobre o cururu. Revista do Instituto de Estudos Históricos, v.32, nº 67, p. 368-388. Rio de Janeiro, maio-agosto de 2019. 

VILELA, Ivan. Cantando a própria história. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, 2011.


MANCHETE DO DIA 29/05/2023


O CURIOSO CASO DA VIOLETTA

[...] Viola propter vim odoris nomen accepit.

Huius genera sunt tria: purpureum, album, melinum.

(“A Viola recebe este nome por causa de seu cheiro.

Existem três tipos [cores]: roxa, branca e [cor de] mel.”)

São Isidoro de Sevilha, entre 560 e 636].

 Viola, Saúde e Paz!

Por buscarmos as verdadeiras raízes das violas - onde entendemos que “raiz” não deve ser algo raso, de tempos recentes, pois quanto mais antiga uma planta, mais profundas suas raízes - mergulhamos no universo dos registros escritos, não tão investigados a fundo pelos musicólogos; na verdade, não fomos apenas até as raízes do uso do nome VIOLA, mas bem mais fundo, à procura das “raízes das raízes” (ou seja, as mais prováveis origens) delas.

Esta procura, assim como a característica do método que desenvolvemos (que é“A Chave do Baú”, título do nosso livro) nos levou a alargar bastante o universo pesquisado, abrangendo outros tipos de ciências, diversas línguas além do português e estudos sobre outros instrumentos historicamente relacionados - principalmente a “outra viola”, a friccionada por arco, pela óbvia ligação pelo nome. Se pensar bem, faz sentido na analogia: são raras as “raízes” que apenas se aprofundam, a maioria delas também se abre como uma teia pela terra, a procura de alimento e sustentação. Como costumamos brincar: “nós é da cidade, mas num é besta não!”.

Sim: partimos dos estudos sobre as violas dedilhadas, mas os aprofundamentos serviram para colocar à prova o método de pesquisa (que se provou muito eficaz), além de ajudar a entender como não só as violas, mas todos os cordofones se comportam pelos séculos, de onde descobrimos padrões surpreendentes. E, afinal, para quem está a procurar tesouros, “quanto mais, melhor”, não é mesmo?

O mais antigo registro que encontramos é o destacado no início aqui deste Brevis Articulus, que teria sido apontado no século VI num dos primeiros estudos considerados “etimológicos”, de um importante religioso (tanto que chegou a ser canonizado pela Igreja); porém, àquela época, viola (em latim) seria ainda apenas o nome de uma flor. Só se conhecem registros de cordofones dedilhados naquela época: harpa, lira, citara, chelys (em grego) outestudo (em latim) e similares - ou ainda fides e seu diminutivo fidicula, em latim, genéricos em alusão às “cordas”.

Já bem mais tarde surgiram lendas, não se sabe de onde (como é bastante comum nas lendas), de que o violino seria chamado de “violeta” por que seria delicado como uma flor... Também como é comum nas lendas, faz sentido e é uma história “agradável de contar” - sobretudo para quem quer explicações rápidas e fáceis. A realidade, entrentanto, nem sempre é tão simples, mas pode ser interessante também, conforme temos visto. E, diferente dos consensos mais populares, entendemos que uma verdade, mesmo estimada, deveria valer muito mais do que uma invenção criativa...

Fugindo das lendas e invenções criativas, VIOLETA teria sido observado em registros de época brasileiros e portugueses do século XIX como sinônimo de “viola de arco” - o que nos aguçou a curiosidade: “diminutivo de viola”, em italiano? Àquela época não mais faria sentido, pois “violino” (que também seria “diminutivo de viola”) já estaria consolidado! Então, dá-lhe reinvestigar:

Os termos violette e violetta foram primeiro observados como genéricos para friccionados por arco na publicação Scintille di Musica (“Faíscas de Música”), do italiano Giovanni Maria Lanfranco (1490-1545). Naquela publicação, significariam duas “pequenas famílias de instrumentos”, diferenciadas entre si pelos tamanhos, cada família com três diferentes sub-divisões: os instrumentos menores (portanto, mais agudos) - Canto, Mezzana eBasso - teriam três cordas, exceto o Basso, que teria quatro cordas assim como violoni, violone e violono  - estes últimos que comporiam, então, a segunda “pequena família” de friccionados, também em três tamanhos diferentes, todos maiores e com sonoridade mais grave que os da família anterior (LANFRANCO, 1533, p. 134-136). Naquele método não foi observado o uso do termo VIOLA - mas foi apontado que cordofones friccionados e dedilhados (estes últimos, com “cordas geminadas” ou duplas de cordas) usariam la medesima accordatura (“a mesma armação de cordas”); e ainda observamos que liuto (“alaúde”) seria também um genérico, sinônimo de liras ou cítaras (segundo Lanfranco), e que entendemos poderiam ter sido também sinônimo de vihuelas espanholas, pois estas também tinham armação e afinação igual às dos alaúdes à época. Duas descobertas interessantes, portanto: comprova-se que naquela época “violas” já seriam tanto dedilhadas quanto friccionadas, na Itália, e, talvez, uma possível indicação de onde teria vindo a “inspiração” dos portugueses para mais tarde chamarem as “violas grandes” (guitarras de 6 cordas, surgidas no século XVIII) de “violões” - por causa dos nomes em italiano: violoni, violone e violono.    

É bem provável que Lanfranco tenha inventado (ou proposto) esta subclassificação da cabeça dele, pois apenas alguns anos depois, violetta e outros termos já não apareceriam no muito referenciado método do veneziano Silvestro Ganasi (1492-1550): Regola Rubertina - Regola che insegna sonar de viola darcho tastada (“Regra para tocar viola de arco com trastes”). Já neste método, o genérico VIOLA foi o mais observado, com seu plural viole em italiano - além de, uma vez cada, viola da gamba e violone - este último instrumento que teria seis cordas afinadas como o alaúde, a única coincidência com o que tinha citado antes Lanfranco (GANASI, 1542, p.6-8).

Tentativa particular de Lanfranco ou não, a concepção de “pequenas famílias de instrumentos de arco” teria encontrado ecos históricos, apontados, por exemplo, pelo Dr. Rubens Russomano Ricciardi, estudioso brasileiro que em suas pesquisas sobre instrumentos coloniais brasileiros afirmou que “rabecas” seriam termos utilizados tanto para violinos quanto para violas - e “rabecões”, para violoncelos e contrabaixos (RICCIARDI, 2000, p. 9). Ricciardi, assim como Paulo Castagna, apontaram que VIOLETTA teria sido observado em inventários e outros registros do século XVIII. Aproveitamos para louvar e creditar um pouco da grande contribuição destes jovens doutores “livres docentes não à-toa”, grandes “caçadores de tesouros”, por suas contribuições únicas.  

A diferença de significados entre o século XVI (uma “família de friccionados agudos”) e o século XVIII (sinônimo apenas de viola friccionada) foi observada também na 4ª edição doThe Harvard Dictionary of Music (2003, p. 953) - mas os estadunidenses também não foram a fundo na curiosa situação, poucas vezes observada na História dos cordofones - história que nós reinvestigamos com muito carinho, atenção e com novos olhares.

Nossa reinvestigação passou, então, pela observação e cruzamento de que no século XVIII, em Portugal, VIOLETA não teria sido observado ainda como sinônimo de VIOLA pelo lexicógrafo londrino Rafael Bluteau (1638-1734). Este dicionarista, que por décadas teria pesquisado e publicado significados de palavras em português, admitia até que violas (dedilhadas, no caso) fossem chamadas de “citaras” - mas quanto a VIOLETA só evocou nomes de flores em latim, como viola galathiana (“violeta de outono”), viola agrestis (“violeta do campo”) e viola sativa (“violeta doméstica”) - (BLUTEAU, 1720, v.8, p. 510-511). É compreensível: se fosse fácil de achar, tantos grandes pesquisadores pelo mundo, há tantos séculos, já teriam desembolado este novelo; nós, porém, contamos com visões, curiosidades e teimosias de brasileiro...

Algumas informações desencontradas e imprecisas parecem ter distorcido o caminho de registros do termo VIOLETTA e talvez por isso a história teria passado despercebida pela maioria dos estudiosos. Em 1913, em seu Real-Lexikon der Musikinstrumente (“Enciclopédia Real de Instrumentos Musicais”), o grande musicólogo alemão Curt Sachs opinou que a chamada english violett (“violetta inglesa”) só poderia ter sido, segundo ele, a própria viola d’amore - entre outros motivos porque os ingleses teriam sido os primeiros a terem usado Resonanzsaiten (“cordas simpáticas”, em alemão). “Cordas simpáticas” seriam cordas que soavam junto das principais de um instrumento mesmo sem serem tocadas diretamente - mas Sachs não citou fontes sobre aquela afirmação (SACHS, 1913, p. 129-130). Alguns anos depois, já considerando então apenas a viola d’amore (ou seja, sem citar mais a english violett), Sachs indicou como o mais remoto registro o ano de 1679, na publicação Evelyn’s Diary - um diário do escritor inglês John Evelyn (1620-1706). Como argumento de que as cordas simpáticas teriam sido introduzidas bem mais tarde na viola d’amore, Sachs apontou que vários especialistas em viols, como o músico francês Jean Rousseau (1644-1699) - não confundir este com o filósofo famoso - não as teriam citado em suas publicações.

Entende-se que até hoje seja fácil concordar com Sachs - não apenas pela credibilidade e pelo grande número de fontes que este estudioso normalmente cita, mas porque faz sentido: duas “violas pequenas”, ambas com cordas simpáticas, mesmo com sobrenomes diferentes (“inglesa” e “do amor”) deveriam ter sido o mesmo instrumento. A metodologia que utilizamos, entretanto, indica a busca e checagem, à exaustão, dos mais remotos registros - o que significa analisar as publicações em suas línguas originais; fazer isto sempre revela alguns detalhes a mais... 

Assim confirmamos, das fontes apontadas por Sachs, que realmente a mais remota citação a cordas simpáticas teria sido pelo musicólogo alemão Michaele Prӕtorio (1571-1621) em seu Syntagmatis Musicis - uma sub-classificação onde vários instrumentos diferentes, tanto dedilhados quanto friccionados, as usariam (PRӔTORIO, 1615, p.439); porém, quanto ao uso em Violas d’Amore, teria passado despercebido a Sachs que Rousseau teria referido-se a cordas simpáticas - pelo menos pelo que entendemos do Traité de la Viole[...] Le Pere Kircher dit queles Violes des Anglois estoient cy-devant montées en partie de semblables chordes [...] de laton, qu'on appelle Viole d'Amour (“O padre Kircher apontou que as Violas dos Ingleses eram até então parcialmente montadas com cordas semelhantes [...]  de latão, chamada Viole d'Amour (ROUSSEAU, 1687, p.22, grifos e tradução nossa). Este último dado, por sua vez, fomos confirmar já na fonte apontada por Rousseu: Athanasius Kircher, na publicação Musurgia Universalis, realmente teria citado que os Angli (“ingleses”, em latim), entre as várias nações que teriam incrementado mudanças aos chelys (friccionados, também chamados viola em latim, segundo Kircher), chordas chordis addunt (“adicionavam cordas [metálicas] às cordas [de tripa]”) e as alinhavam (KIRCHER, 1650, p. 486).

Entre diversas fontes confirmadas e/ou agregadas - como a descrição Sympathy in Sounds citada no livro A brief introduction to the Skill of Musickpor John Playford (1667, p. A3 [17]) - foi percebida outra pista exatamente onde Sachs citou como embasamento para afirmar (no caso, equivocadamente) que [...] Not until 1741 was there any mention of sympathetic strings on the viola d’amore (“Até 1741 não há menção de cordas simpáticas na Viola d’Amore”) - (SACHS, 1940, p. 366). O trabalho referenciado para esta afirmação - Music Saal, do músico alemão Joseph Majer (1689-1768) - realmente apontou o uso das cordas simpáticas... mas em DOIS tipos de Viola d’Amore de tamanhos diferentes, que ele distinguiu como Brazzen oder Violen (“’de braço’ ou viola”) e Violinen (“violino”) - Majer (1741, p. 103). Assim, haveria então possibilidade de existência de dois instrumentos com cordas simpáticas, “dois tipos de Viola d’Amore”, que Sachs não teria considerado - possivelmente por entender que em 1741 o violino já seria o violino como ficou conhecido depois. Entrentanto, não teria atentado que teriam sido bastante raros, se é que existiram, violinos com cordas simpáticas - além de outros detalhes que descobrimos.

A prática de checar referências nos habilita a afirmar que Sachs, como sempre, teria acertado na maioria dos levantamentos - por exemplo, quanto ao registro mais remoto de uso de “cordas metálicas simpáticas” relacionado à Inglaterra, mesmo sem tê-lo atestado por meio de Rosseau e Kircher como fizemos - porém, não teria atentado mais profundamente ao padrão de desenvolvimento dos nomes de VIOLAS em várias línguas ao mesmo tempo, que descobrimos por aplicarmos “A Chave do Baú”.

Para confirmar / atestar, descobrimos - segundo vastas referências do artigo Les Violes, de Paul Garnault (?-?), da Encyclopédie de la Musique - quecerta ENGLISH VIOLET (em inglês),também chamada VIOLETTA MARINA (em italiano), teria sido o outro instrumento similar à Viola d’Amore, ao qual também se agregavam cordas simpáticas: criação creditada ao italiano Pietro Castrucci (1679-1752), em período que este teria trabalhado em Londres como líder de orquestra do compositor alemão George Frideric Handel (1685-1759). A nomenclatura bilíngue (inglês/italiano), observada em partituras, outros textos e ilustrações atestam o que Garnault e Majer apontaram. Handel teria utilizado o novo instrumento a partir de 1730, assim como o compositor alemão Johan Sebastian Bach (1685-1750). Garnault informou ainda que o instrumento, que teria dimensões menores que a viola da gamba, faria parte de uma série de outros, como a criação francesa viola pícola ou pardessus de viole (“viola pequena” ou “viola acima, mais aguda”), que teriam surgido no início do século XVIII, num período em que, além da experimentação de novas sonoridades por compositores e maestros de destaque, teria havido certa rejeição liderada por gambistas e luthiers contre les entreprises du violon (“contra as empreitadas [avanços] do violino”) - (LAVIGNAC, 1925b, p. 1790-1792). A nossa reinvestigação de detalhes sobre esta fase de transição, em fontes de várias línguas, também agregou bastante ao estudo geral das violas, todas elas - e ao entendimento e atestação de padrões históricos dos cordofones europeus.

Constata-se, portanto, que a VIOLETTA não teria sido exatamente uma VIOLA, nem um VIOLINO - mas um dos vários instrumentos surgidos no início do século XVIII, de dimensões menores que as violas da época (por isso, o nome no diminutivo), durante a fase de desenvolvimento, mas antes da ascenção dos violinos. Violettas utilizariam cordas simpáticas assim como as Violas d’Amore, estas que, entretanto, já teriam registro há cerca de cinquenta anos. Na partitura original da peça Chalimeaux, do compositor alemão Johann Friedrich Fasch (1688-1758), por exemplo, são citadas “violas” na partitura geral / título e violettas na parte específica, onde não foram observadas partes nem notas musicais mais agudas, executáveis só por violinos. O equívoco (ou generalismo) teria surgido a partir da visão popular, pois no mesmo século XVIII, conforme já citado, o termo já teria sido registrado no Brasil, colaborando para aumentar a complexidade já existente pela bivalência friccionado/dedilhado do nome VIOLA. Estudiosos brasileiros teriam entendido corretamente que a VIOLETTA seria friccionada por arco (CASTAGNA, 2000, p. 337; RICCIARDI, 2000, p. 9; CORRÊA, 2014, p. 25), mas não teriam ido mais a fundo no curioso significado de “diminutivo de viola”, em tempos que violino já o significaria. “Violeta” teria sido ainda apontado como sinônimo de “viola friccionada” até o século XIX, segundo o Diccionario Musical de Raphael Coelho Machado (1855, p.268) e o Grande Dicionario Portugues de Domingos Vieira (1874, p. 959).

Muito obrigado por ler até aqui... e vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

 REFERÊNCIAS (além das já especificadas no próprio texto):

 LINDSAY, W. M. Isidori Hispalensis Episcopi - Etymologiarum sive Originum. Oxford: University Press, 1911.

RICCIARDI, Rubens Russomano. Manuel Dias de Oliveira: um compositor brasileiro dos tempos coloniais – partituras e documentos. 2000. Tese (Doutorado em Artes) – Depto. de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2000.

BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez, e Latino. v.8. Coimbra: Collegio das Artes da Cia de Jesu, 1720.

CASTAGNA, Paulo. O estilo antigo na prática musical religiosa paulista e mineira dos séculos XVIII e XIX. 2000. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2000.

CORRÊA, Roberto. Viola Caipira: das práticas populares à escritura da arte. 2014. Tese (Doutorado em Musicologia) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2014.


MANCHETE DO DIA 22/05/2023


LENDAS E TRADIÇÕES:

 

(haveria problema em acreditar e repetir cegamente?)

[...] Unde arbitror quod fila chordarum citharae ideo fides dicantur, quoniam et mortua sonum reddant

“Portanto, penso que as cordas da cithara são chamadas de fides porque emitem som mesmo já estando mortas”

[Aurelius Ambrosius - De Obitu Theodosii - (ca.340-ca.397)].

Já ouviu falar que “viola toca até sozinha” (às vezes de madrugada, etc.)? São tantas “lendas e tradições” criativas, cultivadas e adoradas por pessoas que se dizem defensores do caipirismo, folclore, religiões... Tão agradáveis e tão bem inventadas... Muito oportunas, inclusive, para quem quer ganhar dinheiro e/ou notoriedade à custa da ingenuidade e até do ego dos que optam por ignorar conhecimento científico - e muito mais fáceis de serem difundidas do que dados históricos comprováveis.

É só prestar atenção: as lendas, normalmente, não vem com apontamento de fontes confirmáveis, “dados de época”: são, na verdade, “histórias da carochinha” (histórias infantis, para fazer criança dormir). E o mais curioso é que os “agradados” parecem mesmo crianças a querer dormir - ou seriam crianças já “mortas”, de certa forma? Já, já, explicaremos esta última colocação, propositalmente mórbida... mas que é só uma brincadeira, com a figura de linguagem, por favor não nos queiram mal.

Nem estávamos a procurar especificamente: foi sem querer que, aparentemente, terá sido descoberta a origem (ou o mais remoto registro) da “lenda da viola que toca sozinha” - que seria o trecho em latim citado aqui na abertura; no caso, trecho aqui citado com autor, título da fonte e data, pois é assim que gente séria e honesta deve fazer.

Durante as muitas pesquisas que culminaram no livro “A Chave do Baú”, buscávamos os mais remotos registros do termo FIDES: latim para “cordas” e, por adesão, também para “cordofones”, mas que também era usado como “confiança, boa-fé”. Afirmamos (mesmo que alguns linguistas católicos neguem) que depois FIDES, de “boa-fé” teria sido encaminhado para também significar “fé católica” - mesmo que o termo já existisse muito antes do catolicismo ter sido inventado - como é observado em vários textos onde religiosos inventavam ligação das “cordas” dos instrumentos com certa “fé” que uniria as pessoas.

Neste caso específico, sobre citharas efides, chegamos a pesquisar um histórico de textos que teriam originalmente sido criados pelo gramático romano Flaccus (do sec. I ANTES DE CRISTO!) reinterpretado depois pelo também gramático Festus (mas já no sec. II da nossa era) e repetido em cadeia pelo tempo, com alguns floreios a mais ou a menos, por religiosos bastante secundados como Isidoro de Sevilha (sec. VI), Paulo Diaconus (sec. VIII) e Jo. de Janua (sec. XIII). É possível, portanto, que o nosso Ambrosius (sec. IV), autor que aqui destacamos, tenha também se inspirado em Festus (ou até Flaccus) e daí pudesse ter inspirado Isidoro e/ou os demais; é um "talvez", mas observamos que todos estes textos apresentam algumas similaridades e às vezes até citações específicas - e é bom lembrar que religiosos tinham muito acesso e interesse por escritos antigos.

Desta mesma forma, várias lendas teriam surgido e sido transmitidas pelos séculos - neste caso, por religiosos, que criaram muitas histórias fantásticas para tentar “fazer a cabeça” das pessoas - basta ler sobre a Idade Média e os cerca de mil anos entre os séculos V e XV. Os católicos não gostam muito que se fale deste período, mas estamos a falar aqui de registros históricos - não há intenção de desrespeitar nenhum tipo de fé, faturamento ou ego de ninguém. Liberdade de Culto, Liberdade de Expressão, capitalismo: tudo dentro da lei por aqui e, sobretudo, cada pessoa merece respeito quanto às suas escolhas.

Aqui no Brasil, nos dias atuais, soma-se religiosidade com violas por causa dos jesuítas: é natural - mas porque praticamente só deles temos registros escritos sobre possíveis “violas” no início do Brasil; então, dá-lhe difundir lendas agradáveis e interessantes para um povo com DNA ligado ao divino, ao misterioso, ao imaginário (e infelizmente também a muito pouca leitura): descendentes de indígenas, escravizados e carolíssimos brancos portugueses.

Entretanto, sejamos justos: não inventariam lendas apenas “caipiristas, folcloristanos e religiosistas” (no caso, com estes termos inventados, queremos nos referir só aos enganadores, pois há muita gente séria que não merece a carapuça) - nem sequer só os romanos: nos parece que esta “moda” já viria, pelo menos, dos gregos! Não lemos grego, mas podemos afirmar que muito do que os romanos escreviam, eles mesmos indicavam que teria vindo de textos gregos, por exemplo: Mercúrio, Hércules e vários outros “deuses inventados” eram muito ligados a origens lendárias de instrumentos musicais. Histórias "incríveis" (literalmente). Muito boas de serem recontadas? Achamos que sim, pois são "sucesso" até hoje em dia...

Antigamente usava-se apontar fontes e créditos de autoria até das lendas, acredita? Tempo bom que não volta mais... A crítica (tanto a textos muito antigos quanto atuais) é que uma vez não se deixando claro o que é “lenda” e o que é “fato comprovável”, deixa-se ao leitor esta avaliação. Ou pior: ao se tratar as lendas como se fossem verdades, tentar-se enganar os leitores.

O texto que destacamos (disponível pela internet) é um “comentário ou resenha fúnebre”, ou seja, feito em homenagem, pela morte de algum famoso. É repleto de citações e paralelos com a morte. O autor - Ambrosius - foi um religioso bastante influente, bispo onde hoje seria a italiana Milão; e o falecido - Theodósio - um importante Imperador Romano. No trecho, a exortação é que a “boa fé” seria inspiradora até dos mortos, por isso exércitos inimigos seriam atormentados por fantasmas dos mártires. Este “tormento” seria ilustrado por uma cithara tocando sozinha, mesmo depois de “morta” - uma “grande viagem” do criativo bispo, naturalmente... Ou, se preferir, em termos técnicos, apenas uma “figura de linguagem”: não era para ter sido levada “ao pé da letra”, mas...

O bispo não explicou, mas como a maioria das cordas utilizadas na época teriam sido as feitas com tripas de animais, talvez ele tenha querido dizer que mesmo depois dos animais mortos, as cordas feitas de suas tripas ainda soavam “vivas” ao serem tocadas. Na época ainda não haveria registros das chamadas “cordas simpáticas” - que vibram por proximidade a outros sons emitidos mesmo sem serem tocadas diretamente e que só teriam registros a partir do século XVI, na hoje chamada Inglaterra.

Daí, até ser inventado que instrumentos “tocariam sozinhos”, de alguma maneira incrível, basta pensar que metais - e, muito mais, madeiras - sofrem influência de variações de clima, temperatura e similares: então é possível que algum som seja emitido em função destas variações ou, simplesmente, que algum inseto ou outro tipo de pequeno ser vivo esbarrasse nas cordas, fazendo-as soar sem serem vistos. Nada demais... porém, inventar uma história fantástica a respeito é muito mais atrativo, concordam? Não daria muito mais “visualizações, comentários e curtidas” do que a verdade chata, fria, científica?

Sobre a cithara de Ambrosius, também não detalhada, pode-se intuir que fosse uma espécie de “tatara-tarata-avó” das nossas violas e violões: talvez já com caixa de ressonância e braço - mas também poderiam ser como pequenas harpas (sem caixa, nem braço). De qualquer forma, um cordofone dedilhado, ancestral: não é interessante como as lendas acompanham os instrumentos por tantos séculos? Temos visto: não só as lendas, mas muito mais, seguirem por séculos alguns resquícios ancestrais em nomes, detalhes físicos dos instrumentos, etc.

Por outro lado... Deu pra entender a mensagem intrínseca de Ambosius? Na lata e sem filtros, seria mais ou menos: “Vai, meu filho: lute e morra pelo imperador, que até depois de morto você ainda será visto como nobre - um mártir - e poderá assombrar os inimigos”. Vai “na fé”, que tá tudo certo!...

Achou que era “folclore caipira religioso brasileiro”? Parece que não, né? Uma lenda inventada para fazer a cabeça do povo séculos atrás, repetida por vários tipos de interessados em divulgar este tipo de coisa (mas também por pessoas relativamente “inocentes”, que acham bonito ignorar o conhecimento científico, talvez para sentirem-se mais importantes ou mais “cultos” ao agir assim... vai saber?). Uma lenda da qual ter-se-ia perdido o contexto original, mas que curiosa e figurativamente ainda parece servir para incentivar “soldados” a “serem mártires e morrer pela tradição”, sendo uma das muitas histórias muito bem inventadas, muito agradáveis, muito convenientes... (se Ambrosius podia “viajar” na figura de liguagem, então nos damos o direito de também fazê-lo aqui e agora).

Pra que se preocupar de onde teria vindo, não é mesmo? E pode dar uma graninha, agrada aos "parças", gera seguidores, etc... Então, não se preocupe: “Vai na fé, que tá tudo certo!”.

Agradecemos por ler até aqui... E vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

PRINCIPAIS FONTES:

LINDSAY, Wallace Martin. Isidori Hispalensis Episcopi - Etymologiarum sive Originum. Oxford: Univ. Press, 1911.

LINDSAY, Wallace Martin. Sexti Pompei Festi de verborum significatu quae supersunt cum Pauli Epitome. Leipzig: B. G. Teubner, 1913.

PONOR, Aemilius Thewrewk de. Sexti Pompei Festide verborum significatu quae supersunt com Pauli epitome. Part. 1. 1958.

JANUA, Johannes de. Catholicon. [Lessing J. Rosenwald Collection]. [Mainz: J. Gutemberg],1460 [1286].

GERBERTO, Martino. De Cantu et musica sacra. [Württemberg]: San-Blasianis, 1774.

sobre lendas gregas:

BURNEY, Charles. A General History of Music. v. 2. London: Paternoster-Row, 1782.

sobre cordas simpáticas:  

KIRCHER, Athanasius. Musurgia Universalis, sive Ars Magna Consoni et Dissoni. Libre Sextus, Musica Organica sive de musica instrumentali. Roma: Typografia Corbelletti, 1650.


MANCHETE DO DIA 08/05/2023


9 - A Importância das Violas

 […] Noch dan quinterna gyge videle lyra rubeba

(“... e ainda aquinterna, giga,videle, lira, rabeca)

[Eberhard Cersne, no poema nostálgico Minneregeln, estimado ao ano de 1404 - segundo transcrição de August W. Ambros, livro Geschichte der Musik, v. 2, 1880, p. 509]

 Viola Saúde e Paz!

 A História aponta que, após as ancestrais harpas, a principal evolução dos cordofones foi o surgimento de braços e caixas de ressonância destacados (considerando que as harpas antigas tinham (têm) caixas de ressonância, mas lateralmente às cordas). Assim, desde o CHELYS ou KHELYS (em grego) ou TESTUDO (em latim) - cujos formatos de tartaruga já apontariam influência (ou concorrência) com instrumentos árabes e/ou asiáticos -, os ancestrais mais próximos aos atuais cordofones estariam de alguma forma ligados à nomenclatura VIOLA. Brincando, diríamos que é "só" isso: “VIOLA” simplesmente coincide com um importante recomeço histórico europeu... (já, já, explicamos melhor - primeiro, vamos a mais dados).

É importante esclarecer que não encontramos consenso nos atuais estudos organológicos (que estudam a classificação de instrumentos musicais) nem linguísticos, como a etimologia (que estuda a evolução histórica dos significados das palavras); entretanto, pelas observações da maioria dos estudiosos e por nossa metodologia aplicada a um considerável banco de registros, descobrimos que alterações em características e nomes de instrumentos apontam juntos padrões históricos atestáveis.

Nomes similares a VIOLA surgiram depois dos latinos FIDES e seu diminutivo FIDICULA - sendo que os romanos ainda citavam LIRAS (do grego lyra) e CITHARAS (do grego kithara) e ainda se observaram alguns poucos registros de fidula e vidula até o século XI - todos estes, para cordofones dedilhados.

Pelos desenhos e esculturas sobreviventes, não haveria muitos cordofones diferentes até aquela época, a não ser pelos citados braços e caixas de ressonância destacadas, de diversos formatos; outros eram como as harpas menores, portáteis e com caixas de ressonância que teriam passando a ocupar todo o espaço ao longo das cordas; naquela primeira fase evolutiva, nomes como psalterio, nabla edulcimer foram os mais observados.

As caixas de ressonância, naturalmente, teriam surgido para ampliar o volume e alcance do som dos instrumentos. E os braços possibilitam emissão de várias notas musicais por cada corda, aumentando a utilidade do instrumento sem precisar ser muito largo (menos cordas) e assim poder ser carregado mais facilmente. Pode-se entender que este processo de mudança teria se acelerado, mundo afora, a partir dos estudos do filósofo grego Pitágoras nesta área, a partir de cinco séculos antes de Cristo.

Pense bem: por que alguns romanos teriam inventado novos nomes para instrumentos que já os teriam em outras línguas, principalmente em grego? E por que culturas que depois se livraram do Império Romano sentiriam vontade de utilizar novos nomes para instrumentos também similares? A resposta passaria por dois principais motivos: um, teria sido porque os instrumentos evoluiam, justificando novos nomes (o tal surgimento de braços e caixas, por exemplo) - mas o principal motivo aponta ter sido pelo que chamamos de “nacionalismo”, ou “patriotismo” - quer dizer, para não repetir nomes ligados a outras culturas que não queriam que fossem lembradas (invasores, dominadores, subjugados e outros). A língua normalmente é utilizada como expressão do nacionalismo - que seja por imposição de quem quer dominar ou resistência por quem não quer ser dominado.

Dizemos “principal motivação” porque alguns nomes, como similares a “cítara”, eram usados com valor retroativo a instrumentos mais antigos - enquanto outros continuavam sendo usados mesmo depois que os instrumentos apresentavam evoluções, que é a tendência mais observada. É bom lembrar: poucos dos registros mais antigos conhecidos seriam de autores com conhecimento ou que dariam importância para detalhes sobre os instrumentos. Além disso, há séculos, vários estudiosos (sobretudo dicionaristas) costumam indicar traduções e sinônimos genéricos sem observar a existência ou não de detalhes diferenciadores dos instrumentos ou de suas épocas.

Talvez nem todos concordem, mas... Entre outros novos nomes surgidos para cordofones, entendemos que “VIOLA” e similares, de certa forma, significariam (histórica, mas figurativamente, é claro): “liberdade, vitória, conquista”... Mas não seria por isso que depois o termo “viola” viria a significar transgressão, rompimento e até  violência, em português: estes viriam de outro termo: violare.  

Além do próprio VIOLA e similares bem próximos (em Latim, Occitano e Catalão), levantamos cerca de duas dezenas de outras variações surgidas nos séculos XII e XIII (no auge do Trovadorismo, que seria o contexto histórico-social deste fato) como VIELLE e VIOLLE (em francês), FIDIL ou FIDLI (em dialetos “ingleses”), VIDELE, FITHELE e VIGELE (em dialetos “alemães”), VIHUELA (em espanhol).

Não é difícil perceber (até por serem tantas as variações de nomes) que aqueles instrumentos teriam testemunhado a História ocidental durante a emergência de várias nações, após a queda dos romanos - além de serem, obviamente, os antecessores dos friccionados e (para nós), também dos dedilhados atuais... E isso é só um resumo óbvio e já bem conhecido sobre a importância das VIOLAS...

O que aparentemente poucos saberiam ainda é que...

Como desde o século X já haveria instrumentos tocados por arco em território europeu e a partir do século XVIII as VIOLAS das orquestras se tornariam muito famosas e pesquisadas, estudiosos (pelo menos os mais aclamados desde o século XV e suas referências, que checamos), parecem sempre ter suposto que todas aquelas "violas" antecessoras teriam sido "de arco"...

Entretanto, não é o que descobrimos: além de vários registros sem detalhamentos, as VIHUELAS espanholas ("tetra-avos" dos cordofones atuais), por exemplo, teriam sido tanto dedilhadas quanto friccionadas pelo menos desde o século XIV - bem antes, e influenciadoras, por exemplo, das "vovós" VIOLA DA BRACCIO e VIOLA DA GAMBA italianas, e das VIOLAS (dedilhadas) portuguesas (“mães” das brasileiras).

VIHUELASteriam sido "vovozinhas bem poderosas”, mas caíram em desuso a partir do séc. XVII, substituídas pela preferência espanhola por novas guitarras (com cinco ordens de cordas), ficando, provavelmente por isso, as VIHUELAS esquecidas e desconsideradas por muitos...

Só lembrando: até o século XVI haveria na Espanha, em termos de cordofones cinturados, GUITARRAS pequenas, de 4 ordens (similares a mandoras árabes, de caixa arredondada) e as citadas VIHUELAS, de 6 ordens (similares aos alaúdes, também árabes e também arredondados). GUITARRAS (pequenas) e VIHUELAS cairam em desuso com a posterior ascenção, pela maior parte da Europa, da “nova guitarra espanhola”, de tamanho e armação de cordas intermediários aos dois instrumentos anteriores e que reinaria até meados do século XVIII. Alguns as chamam hoje de “guitarra barroca” - menos os portugueses, que chamavam todos cordofones de “viola”. E sim: a armação de violas dedilhadas mais famosa hoje, de 10 cordas em 5 ordens, “teria vindo” (ou “primeiro teria surgido”) a partir daquelas guitarras.  

Além disso, voltando às VIHUELAS, poucos teriam atentado que já citamos - que o nome VIOLA teve equivalentes nas principais línguas europeias, principalmente as que influenciaram a língua espanhola (latim, occitano, catalão). Ou seja, VIHUELAS teriam sido nada menos que outro nome para “violas" quando estas surgiram e, por influência das vihuelas, vieram a existir os dois tipos de violas atuais (embora o resto do mundo pareça considerar só as “de arco”).

            Os estrangeiros teriam alguma razão, pois o mais normal seria os portugueses também terem passado, com o tempo, a chamar suas violas dedilhadas de GUITARRAS ou similar, como até os italianos fizeram (CHITARRAS) - mas GUITARRA é um nome ligado aos espanhois, com os quais Portugal sempre teve divergências. Na verdade, o formato cinturado e o fundo plano das caixas denunciam que as preferências de nomes, tanto por portugueses quanto por espanhóis, tiveram claras motivações nacionalistas: ser contra os formatos arredondados (entre outros detalhes), que sempre foram características de instrumentos árabes, invasores da Península Ibérica por cerca de 700 anos.

Estudiosos não apontam ter observado (ou não terem dado muito valor) à diferenciação entre cinturados europeus e arredondados árabes, mesmo quando citam a “coincidência” de armação e afinação entre alaúdes e vihuelas... Além disso, muitos se confundiram com os dados sobre nomes (que é um tipo de estudo que carece bastante aprofundamento e não teria antecessor conhecido); mas nada muda o fato, atestado por registros, de que as VIHUELAS, mesmo após terem caído em desuso, apontam ter “seguido seu caminho” na Itália e em Portugal, por ambas as formas de serem tangidas, apesar de chamadas nestes dois últimos países por um nome só - “violas”. Este nome teria sido, portanto, uma variação nacionalista - um “padrão” que se repetiria já há alguns séculos na História dos cordofones, pelo menos desde os gregos.

Outro "elo perdido" que estudiosos teriam deixado passar (por não considerarem também instrumentos dedilhados na equação investigativa) é que VIHUELAS / VIOLAS não "teriam vindo" dos alaúdes, posto terem formatos diferentes - mas exatamente por estas mudanças apontam terem surgido para substituir aqueles instrumentos árabes (muçulmanos, mouros, invasores). Isso incluiu também substituir pequenos RABABS árabes (de arco) por gigas / rotas / rabecas / violons (estes, os "avós" do violino); e substituir "alaúdes curtos" (dedilhados), por nomes como quetaras / cytharas / citolas / bandurras / guitarras (estas últimas que se bifurcaram depois na hoje chamada “família dos cistres”, também de fundo paralelo, mas de caixas arredondadas). Portugueses, por exemplo, chamariam e ainda chamam seus cistres de "guitarras portuguesas" - mas não os cinturados, como catalães e espanhóis escolheram chamar aquele “novo” instrumento deles. A opção espanhola, a partir do século XVII, influenciou variações em outras línguas como guitar (inglês), guiterre (francês), Guitarre (alemão) e até chitarra (italiano) - e se consolidou mais ainda na virada do século XVIII para o XIX, após novas mudanças adotadas nos instrumentos, mas mantendo o nome “guitarra” (que então passaram a ter seis cordas simples e que conhecemos hoje por “violão”).

 Espanhois teriam seguido um curso atestável por registros, em que o nome latino cithara teria começado a se bifurcar pelo tempo entre cistros (de caixa arredonda) e cedras (de caixa cinturada) - embora nomes similares como citola e cetula fossem às vezes utilizados para ambos os formatos - e que em textos em espanhol viriam a ser diferenciados como guitarra mourisca e guitarra latina a partir do século XIV - ou seja,cada formato referenciando uma procedência, separando os espanhóis dos árabes. Já os portugueses, pelo mesmo tipo de motivação (reação nacionalista contra o sucesso espanhol), teriam invocado (e alguns estudiosos ainda defendem) uma evolução direta de cithara a guitarra e que esta última seria arredondada, para contextualizar as guitarras portuguesas... A sustentação disso se torna complicada a começar pela falta de registros de cítaras arredondadas e pior, por registros dos próprios portugueses, que pelo menos desde o início do século XVIII, apontam que chamariam suas violas, cinturadas, de “citaras”. De fato, o que as evidências mais apontam é que teria havido apenas a oportunidade, quando da ascenção das guitarras (cinturadas) espanholas, de existirem ainda as arredondadas english guitterns (claramente inspiradoras das guitarras portuguesas), e de um país muito ligado a Portugal. O acontecido, segundo registros em dialetos ancestrais ao inglês e outras línguas chamadas germânicas, diferente do acontecido com as línguas latinas, é que cistro, cedra e similaresteriam sido sucedidos por termos como cithern e gittern, indistintamente quanto aos formatos (estes povos não teriam sofrido tão diretamente a invasão moura quanto espanhois e portugueses). Já o termo em inglês guitar passou a ser utilizado normalmente para cinturados, similares às guitarras espanholas, a partir do século XVII - seguindo a tendência geral. 

O comportamento português é entendido como “anomalia” ou “exceção” porque as english guitterns (ouguitars) cairam em desuso logo a seguir, não restando outros cistres (ou seja, cordofones de caixa arredondada) chamados de “guitarra” além da portuguesa. E as exceções (espanhola e portuguesa), atestadas pelas divergências histórico-sociais entre os dois países e deles com os árabes (mouros, muçulmanos), apontam a “regra” - ou “padrão” quebrado. A diferença é que a opção espanhola depois foi seguida por diversas outras culturas, por séculos, até os dias atuais, vindo então a consolidar-se - assim como a separação entre nomes para formatos arredondados e cinturados de caixas paralelas. Outro indício de padrão são os nomes e características originais dos instrumentos árabes, que, à parte de influências de fenômenos sociais, apontam ter-se mantido quase os mesmos.   

Mais uma vez a mesma pergunta: por que outras culturas substituiriam (ou “nacionalizariam”) nomes e, às vezes, alguns detalhes importantes de construção de instrumentos? Por que estas ações podem ser consideradas como um “padrão” da História dos cordofones, pelo menos desde os tempos do domínio grego?

Os registros históricos indicam que sempre teria sido assim: novos nomes teriam emergido em diferentes línguas para cordofones semelhantes; estes estariam em evolução, mas algumas características antigas apontariam resquícios por longos períodos. Pelos estudos desenvolvidos, a continuidade histórica (ou resistência) de nomes e características de instrumentos musicais seria um padrão ainda pouco relatado por estudiosos - mas observando-se o espectro mais amplo de contextos histórico-sociais e outros dados, é possivel ser atestado. Uma das reações mais observadas é a "nacionalização" de nomes por desavenças entre as culturas envolvidas ou outro tipo de evento social de grande impacto. Nomes e formatos só viriam a se consolidar (se fixar) a partir do séc. XIX, e mais uma vez sob contextos histórico-sociais claros: a Revolução Industrial e depois a globalização de informações, internet, etc.

Até agora, parece que apenas um dedicado a atrevido brasileiro (por buscar se aprofundar a partir das pouco conhecidas violas dedilhadas) teria desconfiado dessa possível imprecisão em séculos de estudos. As principais teorias e principalmente as fontes, nas várias línguas originais desde o século II aC., foram reinvestigadas - quando então aproveitou-se a "caça ao tesouro" para aventar também os possíveis antecessores das VIOLAS. Assim, foi possível atestar padrões observados na História ocidental dos cordofones, principalmente quanto aos nomes e suas peculiaridades, quando poucos teriam estudado a fundo. São descobertas inéditas e fascinantes!

Os tesouros encontrados nestas pesquisas (detalhados em inglês no artigo "Chronology of Violas according to Researchers") e o desenvolvimento até chegarmos hoje a Famílias de Violas dedilhadas (portuguesa e brasileira) - ao mesmo tempo em que violas de arco ficaram famosas em orquestras de grande parte do mundo - estão em bom português no livro "A Chave do Baú": numa linguagem simples, como uma narrativa de aventuras. A ideia é que o conhecimento pode ser divertido para todos. E ainda é explicado, em detalhes, como usar a "chave" em outros "baús"... Mas aí já são outras prosas...

Muito obrigado por ler até aqui - e vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).      

PRINCIPAIS FONTES:   

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola, de cinco órdenes y de quatro, la qual enseña a templar y tañer rasgado todos los puntos naturales y B mollados, com estilo maravilhoso.Valência: Augustin Laborda, [1596].

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LAVIGNAC Albert. Encyclopedie de la Musique et Dictionnaire du Conservatoire. v.6 [Deuxième partie: Technique, Esthétique, Pédagogie; Tome I: Tendances de la musique, Technique générale]. Paris: Librairie Delagrave, 1925

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tesis (PhD Art History) - Faculdade de Geografia e História, Universidad Complutense de Madrid. 1981.

MILANO, Francesco. Intavolatura de Viola o vero Lauto. Napoli: s/n, 1536

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXIIZaragoza, v1, nº1, p. 393-492, jan./dec. 1985.

OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

RIBEIRO, Manoel da Paixão. Nova Arte de ViolaUniversidade de Coimbra:1789.

ROCHA, João Leite Pita da. Liçam Instrumental da Viola Portuguesa. Lisboa: Oficina de Francisco Silva, 1752.

TINTORIS, Johanes. De inventione et uso musicae. [1486].

WEBER, Francis J. A Popular History of Music from the Earliest Times. London: Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co., 1891.


MANCHETE DO DIA 08/05/2023


VIOLAS EXISTIRAM ANTES DE EXISTIREM

“[...] e outros instrumentos de corda dedilhada que, na terminologia portuguesa do tempo, também eram compreendidas na designação genérica de *violas de mão*”.

[João de Freitas Branco, História da Música Portuguesa, 1959]

“[...] para uns é uma “vihuela”, para outros uma “guitarra”.   Esta falsa questão, vinculada por estrangeiros  onde se incluem alguns espanhóis, resulta da incompreensão do uso que se faz deste tipo de cordofone de mão. Para um português esta contenda não faz qualquer sentido, já que, tanto no séc. XVI como actualmente, se designa este instrumento simplesmente por viola, acrescido, quanto muito, dos determinativos “de mão” ou “de seis ordens”

[Manuel Morais, A Viola de Mão, 1985]Viola, Saúde e Paz!

Em recente artigo que aqui registramos, assim como no livro “A Chave do Baú” (onde dedicamos um capítulo), levantamos a questão de existirem hoje, no Brasil e em Portugal, dois instrumentos diferentes com nome de VIOLA: as “de arco” (friccionadas, das orquestras) e as dedilhadas (“parecidas” com violões).

Assim como o “xará”, destacado no início - o músico e historiador português João de Freitas Branco - há vários estudiosos que apontam que nos primeiros séculos os portugueses utilizavam uma “denominação genérica” específica aos seus instrumentos dedilhados. Alguns, como o também destacado Manuel de Morais, indicam que teria havido um bilinguismo (ou seja, dois tipos de instrumentos chamados pelo mesmo nome), mas Branco, como nós, percebeu que a denominação era “genérica”, ou seja, era para todos os dedilhados da época, a saber: as vihuelas e guitarras espanholas e os alaúdes árabes / “mouros”,em todos os seus tamanhos e variações. A esta lista acrescentamos, naturalmente, os instrumento tangidos por arco - até aproximadamente o século XVI nominados em outras línguas como viola da braccio da gamba (em italiano), geige (em alemão) e variações a partir de rabeb (do árabe) - entre outros.

Para os portugueses, era tudo “viola”. Mas... por quê?

Branco, que não constava ainda das referências de nossas pesquisas (sim, continuamos pesquisando!) também apontou semelhança com a nossa metodologia (a tal da “chave do baú”). Ele afirmou, em conclusão ao bem embasado prefácio de seu recomendável livro, que tentava ali aplicar uma “relacionação historiográfica de reflexos musicais da realidade sociocultural portuguesa". Sim! É bem semelhante ao caminho que traçamos para tentar responder a uma pergunta que, entretanto, nem Branco, nem nenhum outro entre as centenas de estudiosos que pesquisamos teria se aventado a tentar responder: “Por que os portugueses agiriam assim, quanto ao nome viola?”.

É sempre bom lembrar que em outras culturas europeias, também já desde o século XVI, a tendência geral é de separar, pelos nomes, as maneiras diferentes de tocar: para os dedilhados, variações do nome guitarra (que teve um certo “investimento” e primazia dos espanhóis em desenvolvimento de técnicas) e, para os friccionados, nomes similares à viola como violino e violoncelo (graças ao investimento, no caso, dos italianos, no que hoje se chama “família dos violinos”).

A consolidação atual destas nomenclaturas e as correspondentes características organológicas passou por fases de transição que teriam durado várias décadas - conforme constatamos ser um padrão histórico dos cordofones europeus.

No livro e em outros trabalhos listamos cerca de quinze evidências, baseadas em registros observados entre os séculos XV e XIX e em trabalhos de vários estudiosos importantes - portugueses, brasileiros, espanhóis e de várias outras nacionalidades / línguas. Àquelas evidências, somaremos agora esta, do livro de Branco.

O principal fator social se baseia nas incontestáveis divergências históricas dos portugueses, tanto com os árabes (invasores da Península por cerca de 700 anos) quanto com os espanhóis (que tem capítulos por séculos como concorrentes, desde o surgimento de Portugal como reino unificado, no século XII). Faz muito sentido, portanto, que portugueses não quisessem utilizar nomes ligados àquelas culturas dissidentes em seus instrumentos populares que, conforme atestamos na História Ocidental desde o século II aC., sempre demonstraram reflexos da “realidade social” (como se referiu Branco) - ou dos “contextos histórico-sociais”, como se diz hoje em dia. Tudo isso, contextualizamos que seja em concordância com o que já teria afirmado o filósofo grego Platão, cerca de quatro séculos antes de Cristo, que fenômenos circundantes são cruciais a qualquer estudo - ou seja, o contexto histórico-social Portugal/Espanha seria um fenômeno circundante importante no estudo dos cordofones utilizados naquela época, inclusive nos nomes utilizados.

Mas... Será que não estaríamos a ser prepotentes (arrogantes, megalomaníacos) ao afirmar que fomos capazes de ver o que centenas de outros competentes estudiosos não viram?

Bom... em nossa defesa, quanto aos estudiosos de outras línguas que não a portuguesa, a explicação nos parece bem atestável e clara: eles simplesmente teriam desconsiderado o nome “viola” para dedilhados, admitindo (e estudando bastante) apenas as violas de arco; quase todos teriam considerado as violas dedilhadas portuguesas e brasileiras como “um tipo de guitarras”. Isto, de certa forma, não seria muito errado... A não ser pelo fato que, a partir da consolidação das guitarras em seis cordas (que chamamos de “violão”), nossas violas passaram a se tornar instrumentos consideravelmente diferentes, pelo tamanho, número de cordas (em pares) e outros detalhes. Em tempo: este comportamento dos estrangeiros e o fato de chamarmos as guitarras de “violão” já são, em sí, evidências de que o uso do nome “viola” para dedilhados é específico da língua portuguesa e refletiria, portanto, uma ação (ou preferência) específica deste povo.

Já quanto a estudiosos portugueses e brasileiros (mas não apenas eles), comprovamos, por grande número de publicações reinvestigadas, que é muito comum acontecerem equívocos de avaliação histórica dos nomes e características de instrumentos. Ou seja: é mais comum do que se desejaria estudiosos confundirem instrumentos que existem em suas épocas com citações de nomes iguais ou semelhantes, relativas a tempos mais remotos. Assim, estudiosos portugueses, no século XX, por atestarem a existência das violas naquela época em que viviam e investigavam, supunham que elas teriam existido por lá desde “sempre”, ou seja, desde os mais remotos registros do termo “viola” em línguas antecessoras do português - porém, sem atentarem à falta de registros do nome em Portugal até o século XV e, a partir dalí, a falta de registros sobre detalhes específicos (diferenciadores) daquelas “violas”. Assim como, estudiosos brasileiros, também no mesmo século XX, ao constatarem em suas épocas a existência e predominância do modelo Viola Caipira, imaginaram (ou escolheram indicar) que este teria sido o mesmo (e único) modelo, desde os registros do nome VIOLA, sem descrições, encontrados no século XVI; neste último caso, estudiosos brasileiros ainda teriam procurado informações em publicações portuguesas e, como estas apontam a existência de “instrumentos chamados de viola”, teriam caído no mesmo tipo de equívoco: o de inconsistência de contexto com dados de época.

Não nos baseamos apenas em outros “mapas de tesouro”, mas principalmente em nossa metodologia, nossa “chave”, que testamos consideravelmente - além de termos colecionado, checado e organizado um banco de dados (fontes e estudos de época, em suas línguas originais) significantemente maior do que todos os estudos que pudemos conseguir. Outro diferencial nosso é que, ao contrário da maioria maciça, avaliamos ambas as possibilidades juntas (violas dedilhadas e friccionadas), desde remotas eras, contextualizando em uma somatória os aspectos históricos, sociais, musicológicos, linguísticos, estatísticos e outros. Estes diversos contextos (ou “fenômenos circundantes”) são perfeitamente aplicáveis à História das violas e demais cordofones, mas não teriam sido considerados de forma tão profunda e exaustiva antes (pelo menos, não encontramos citações e desenvolvimentos similares).

Não é tão impossível, portanto, que ao realizarmos estudos mais abrangentes possamos ver além do que já teria sido publicado - até porque o objetivo de pesquisarmos foi exatamente este: buscar o que outros poderiam ter deixado passar - detalhes que chamamos figurativamente de “tesouros perdidos”! E acabamos por “encher um baú” deles...

Quanto à ação nacionalista (ou patriótica) portuguesa, demonstrada pela preferência de uso de um nome genérico, as evidências vão desde a falta de detalhes nos registros (ou, quando existem, serem características similares às de outros instrumentos, não apontando, portanto, “violas” como instrumentos diferentes); a preferência por utilizar um nome utilizado na Itália (viola) e não um espanhol (guitarra ou vihuela); chamar de “violas pequenas” ou “violas grandes”, quando os espanhóis diferenciavam guitarras e vihuelas pelo tamanho; até a adesão pelo nome guitarra, pouquíssimo utilizado pelos portugueses para dedilhados até o século XIX, mas então escolhido para um instrumento que se tornaria uma “referência cultural portuguesa”, totalmente diferente das cinturadas guitarras espanholas e, ao mesmo tempo, claramente inspirado na english guitar (nomenclatura inglesa, país de boas relações com Portugal, à época).

É importante tornar a citar que o restante do território europeu consolidou pelo nome “guitarra” (e variações conforme cada língua) instrumentos de caixa com cintura e outras características típicas dos instrumentos espanhois - e apenas a “guitarra” portuguesa apresenta caixa arredondada, vez que a citada english guitar caiu em desuso após o surgimento do instrumento português preferido dos fados... Guitarra Portuguesa que, entretanto e curiosamente, veio a se consolidar pela armação em seis ordens, assim como os violões (porém, em duplas de cordas, como as violas dedilhadas).

Pensando bem (mas sem que possamos provar), parece até algum tipo de pilhéria ou “piada interna” dos portugueses, que chegam a invocar teorias de similaridade entre o nome “guitarra” (da guitarra portuguesa) e cítara (a partir de cithara, do latim, que tem registros pelo menos desde o século II aC.). Registros também apontam que o nome cítara para cordofone com braço só teria aparecido em Portugal (e exatamente como sinônimo de “viola”), a partir do século XVIII, segundo dicionários de Bluteau. Já sobre o termo inglês guitar, são vários os registros que apontam histórico de similares pelos séculos, nesta e outras línguas chamadas “germânicas” ou “não latinas”, entre outros, como cithern e gitern (e variações). Quer dizer: os ingleses até poderiam alegar possível “evolução” de cítara até guitar - mas mesmo assim, acabaram por aderir a guitar para cinturados; já os portugueses acharam por melhor serem os únicos a chamar de “guitarra” seu arredondado favorito... Consegue ver risadas silenciosas entre os bigodes dos patrícios? Ou estaremos aqui a “viajar” demais?

Em exemplos que embasariam esta observação, em fins do século XV ou início do XVI o conceituado musicólogo belga Johannes Tinctoris (ca.1435-1511), no tratado De inventione et uso musicae, em latim, teria alegado para dedilhados com braço: como de procedência italiana, o nome cetula; e de procedência catalã, guitherra ou guitherna. Já o museólogo alemão Athanasius Kircher (1602-1680), às páginas 476-479 do livro Musurgia Universalis (de 1650),apesar do inapropriado uso de genéricos, apontou cytharis (“cítaras”) como dedilhados com braço de procedências “[...] Germanae, Gallicae, ItaIicae, Anglicae, Hispanicae, Turcicae, Persicae, Africanae (“germânica, galega, italiana, anglicanahispânica, turca, persa e africana” - em tradução nossa a partir do latim). Lembrando que estes nomes ainda não seriam os dos atuais países, mas de regiões maiores, como penínsulas, observamos que Kircher separou por desenhos bem detalhados as “germânicas” (de caixa arredondada) e as “hispânicas” (de caixa cinturada). Ou seja: se houvesse dedilhados com braço chamados “cítaras” em Portugal, àquela época, baseando-se apenas pelos registros conhecidos, eles mais provavelmente teriam sido cinturados (como indicado no século seguinte, por Bluteau) e não de caixa arredondada. Até as controversas nomenclaturas apontadas em desenhos do historiador e biólogo italiano Fillippo Bonanni (1638-1725), em seu Gabinetto Armonico (de 1722), separou a chitarra spagnola (cinturada) das ceteras (arredondadas). Portugueses parecem “ter preferido” - e estudiosos ainda parecem preferir, em nossa análise, por puro nacionalismo - que citara “poderia ter vindo” do italiano cetera e seria arredondada - do que aceitar registros nominais explícitos de citaras na Península Hispânica e até em bom português, em Lisboa, como instrumentos cinturados. Assim, o nome de suas “guitarras” portuguesas teria vindo das “cítaras”,  não das guitarras espanholas... entendeu a preferência pela teorização, ao invés do atestamento por registros de época? Entendeu que o “jeito português” ainda parece ser o mesmo até os dias atuais?   

Registros e contextos apontam que até meados do século XVIII não existiriam violas dedilhadas “de fato” - apenas “outros instrumentos, que eram chamados de viola” - e, particularmente, entendemos até certa beleza, brio e inteligência na ação que teria surgido naturalmente entre os portugueses (visto que não foram observadas orientações oficiais ou documentais neste sentido). Uma espécie de bom exemplo tácito, de amor à Pátria, que entendemos seja muito útil a todo o Mundo.

Muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

PRINCIPAIS FONTES:    

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola, de cinco órdenes y de quatro, la qual enseña a templar y tañer rasgado todos los puntos naturales y B mollados, com estilo maravilhoso.Valência: Augustin Laborda, [1596].

BERMUDO, Juan. Declaracion de los Instrumentos Musicales. Madrid, s/n, 1555.

BONANNI, Fillippo. Gabinetto Armonico. Roma: Placho, Intagliatore e Gettatore, 1722.

BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez, e Latino. v.1. Coimbra: Collegio das Artes da Cia de Jesu, 1712. [e outras edições, até 1789].

BRANCO, João de Freitas. História da Música Portuguesa. Lisboa: Europa-América, 1995

BURNEY, Charles. A General History of Music. v. 2. London: Paternoster-Row, 1782.

CERONE, Domenico Pietro. El Melopeo y Maestro: Tractado de Musica Theorica y Pratica. Napoli: Gargano & Nucci, 1613.

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family. London: Nov. Ewer & Co., 1883.

GALPIN, Francis W. Old English Instruments. London: Methuen, [1911].

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina. Venezia: s/n, 1542.

GRIFFITHS, John. Las vihuelas en la época de Isabel la Católica. Cuadernos de música Iberoamericana, Madri, v.20, p. 7-36, jul./dec. 2010.

GUNN, John. The Theory and Practice of fingering the Violoncello. Reino Unido: ed. Do author, 1789.

KIRCHER, Athanasius. Musurgia Universalissive Ars Magna Consoni et Dissoni. Libre Sextus, Musica Organica sive de musica instrumentali. Roma: Typografia Corbelletti, 1650. 

LANFRANCO, Giovani. Scintille di musica. Brescia: Ludovido Britanico, 1533.

LAVIGNAC Albert. Encyclopedie de la Musique et Dictionnaire du Conservatoire. v.6 [Deuxième partie: Technique, Esthétique, Pédagogie; Tome I: Tendances de la musique, Technique générale]. Paris: Librairie Delagrave, 1925

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tesis (PhD Art History) - Faculdade de Geografia e História, Universidad Complutense de Madrid. 1981.

MILANO, Francesco. Intavolatura de Viola o vero Lauto. Napoli: s/n, 1536

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXIIZaragoza, v1, nº1, p. 393-492, jan./dec. 1985.

OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

RIBEIRO, Manoel da Paixão. Nova Arte de ViolaUniversidade de Coimbra:1789.

ROCHA, João Leite Pita da. Liçam Instrumental da Viola Portuguesa. Lisboa: Oficina de Francisco Silva, 1752.

TINTORIS, Johanes. De inventione et uso musicae. [1486].

WEBER, Francis J. A Popular History of Music from the Earliest Times. London: Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co., 1891.


MANCHETE DO DIA 29/04/2023


Violas Pretas: antes do SAMBA, das MODINHAS e do CHORO.

(Será que “deu um branco” na História?).

 “[...] a viola, sendo um excelente instrumento, bastava agora que negros e patifes sabiam tocá-lo, que homens honrados não queriam mais tê-lo em seus braços.”                                            

Francisco Manuel de Mello (1608-1666), Carta de guia de casados.

 

Viola, Saúde e Paz!

Nomes como “batuque” e “lundu” (e similares) remetem historicamente a manifestações com os registros mais remotos e numerosos na história da música brasileira (tempos de Colônia e Império). Estes registros tem despertado interesse de pesquisadores há algumas décadas, com produção de muitos textos. A motivação para fazer mais uma nova análise sobre o assunto vem das recentes descobertas e novas visões sobre a Família das Violas Brasileiras, relatadas no livro “A Chave do Baú”, sobre instrumentos presentes nestas manifestações e algumas vezes não observados corretamente, sendo citados muitas vezes como “cavaquinhos” e/ou “violões”.

Quer seja por equívocos de traduções e contextualizações histórico-sociais ou pelo pequeno número de estudos sobre violas dedilhadas existente - onde a maioria foca no modelo Viola Caipira, do qual não se tem evidência nem de ter existido antes de 1900 - o fato é que nossos estudos são os primeiros a contextualizar, com toda a História dos cordofones ocidentais, todos os modelos de viola dedilhada hoje consolidados no Brasil, via cruzamento considerável de fontes e aplicação exaustiva de Metodologia Científica (que é a tal da “chave” que abre “baús de tesouros”).

Uma das novas revelações sobre as violas é que, pelo cruzamento de vários estudos e dados, até aproximadamente a década de 1840 os instrumentos de acompanhamento mais utilizados no Brasil seriam os chamados de “viola” pelos portugueses. Estes teriam descrições similares desde "poesias" atribuídas ao baiano Gregório de Mattos (1636-1696) e as “Cartas Chilenas” creditadas a Tomáz Antônio Gonzaga (1744-1810) - quando ainda não eram citados os termos "lundu" nem "batuque", mas que, pelas descrições das manifestações, é possível identificar similaridades com manifestações e danças que ganharam outros nomes, tanto no Brasil quanto em Portugal.

Já no século XIX, os termos aparecem em várias descrições, por várias partes do Brasil, feitas por vários exploradores. Os instrumentos musicais de harmonia mais citados seriam as chamadas "violas": muito provavelmente, eram pequenas guitarras de 4 ordens, chamadas de "machêtes", "machinhos", “bandurras” e outros nomes - além, naturalmente, de outros instrumentos, como os de percussão, característicos da musicalidade africana, de onde hoje se imagina tenha surgido outro equívoco muito observado nos dias de hoje, de que "batuque" referia-se apenas a tambores e similares - certamente pela fama alcançada pelo samba.  

Analisando grande número de registros, "batuque", na verdade, teria sido o nome de reuniões onde se praticavam diversas atividades de recreação, principalmente relacionadas à música (tocar, cantar, dançar). Em destaque pelos narradores de época, danças com movimentos sensuais, com ritmos de característica africana, tocados em violas e acompanhado de percussões, palmas, cantos, etc. Exemplos e descrições da musicalidade inata dos pretos e dos tipos de instrumentos e recursos utilizados já destacamos em outro brevis articulus, pela narrativa do pintor francês Jean Baptiste Debret (1768-1848), às páginas 128 e 129 do segundo volume de seu livro Voyage Pittoresque et Historique au Brésil.

Analisando um número expressivo de narrativas (e nunca apenas a visão de poucos), os mais citados instrumentos seriam as pequenas violas. Recentemente tivemos conhecimento de um grande pesquisador que acredita que “lundu” teria sido uma dança com violas e que “batuque” seria dançado apenas por uma pessoa, ao som de kalimbas (ou marimbas) - certamente baseado apenas em ilustrações e citações dos cientistas bávaros Spix & Martius (3 volumes do livro Reise in Brasilien 1817 a 1820) e do desenhista e pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), em seu livro Malerisch Reise in Brasilien. Rugendas, que como os dois primeiros citados certamente terá presenciado algumas variações pontuais da manifestação, descreveu o uso do que chamou de mandolines (bandolins, em alemão) - muito provavelmente a referência mais proxíma que tinha das pequenas violas - além de ter afirmado bem claramente, à página 25 da edição de 1835 do citado livro: [...] Der gewôhnlichste Tanz der Neger ist die Batuca  (“A dança mais comum dos negros é Batuca [batuque]”. Por estas distrações, a partir de poucos registros, é que perseguimos o maior número possível deles - a fim de encontrar verdadeiros “tesouros”, perdidos até por pesquisadores muito mais experientes que nós.

Tanto a reunião, quanto o ritmo quanto a dança eram chamados de "batuque" - o que às vezes também acontecia com o termo “lundu” (ou similares). Este fato é muito parecido ao que ainda acontece com o nome "pagode", no Brasil: ainda resiste bravamente em algumas poucas regiões interioranas da Bahia e de Minas Gerais (como na região onde teria vivido Tião Carreiro), teria sido nome de uma reunião para cantar e dançar - e é hoje nome de um ritmo de viola e para “sambas populares”, de onde se ouve “tocar ou dançar um pagode”. Reunião, ritmo e dança: às vezes qualquer dos três é entendido como “pagode”.

O ritmo "lundu" foi mais citado que "modinha" por Domingos Barbosa (ca. 1740-1800), e apenas no segundo volume do livro Viola de Lereno, publicado em 1826 (mas segundo o subtítulo, seriam ambos livros de "cantigas"). Alguns ditos estudiosos apontam que as modinhas, seja em Portugal ou Brasil, fossem tocadas em violões - instrumento que alcançaria inegável hegemonia, mas que só se consolidaria a partir da década de 1820 (bem depois de Domingos Caldas ter morrido), segundo levantamentos de vários tipos de estudos e dados que cruzamos em nossa pesquisa. Importante apontar que entre os relatos do início do século XIX, no Brasil, há descrições de canções dolentes tocadas à viola - as tais “cantigas” - normalmente executadas antes do início (ou como introdução) das sensuais danças.

Estudiosos também indicam (corretamente) a origem do samba a partir dos batuques e lundus, porém às vezes já com cavaquinho: instrumento cujo apontamento mais remoto (e único, por décadas) seria de 1822, em Lisboa, pelo italiano Adrien Balbi (1782-1848). Este criativo estrangeiro em terras lusitanas nunca teria vindo à Colônia e possivelmente nem saberia a diferença entre uma viola machête e um cavaquinho, à época (até porque cavaquinhos parecem nem ter existido ainda, não se encontrando outros registros, como dissemos, até cerca de duas décadas depois da citação de Balbi).

Equívocos como estes são compreensíveis, uma vez que estudos sobre as violas brasileiras estão ainda pouco aprofundados, e a maioria apenas sobre o modelo "viola caipira" - que, obvia e comprovadamente, ainda não existia e muito menos teria sido o utilizado pelos escravizados nos primórdios da música no Brasil. Foram violas, machêtes ou machinhos, tocadas por pretos, que apareciam em execuções das raízes da música “popular” brasileira. E não apenas no meio rural: tocadas nas ruas da capital do Império, Rio de Janeiro, teriam precedido tanto o SAMBA, quando o CHORO, quanto as MODINHAS.

Será que a cor da pele daqueles tocadores e dançarinos tem alguma coisa a ver com o fato de hoje isto não ser divulgado?

No início do século XIX, ultrajantes anúncios em jornais de venda e de fugas de escravizados, tratando-os como se fossem animais, fornecem dezenas de registros de tocadores de viola, tocadores de machêtes. Vários outros registros apontam como tocadores de viola (e outros instrumentos), alguns pretos forros, chamados "barbeiros" - que prestavam pequenos serviços como corte de cabelo, aplicação de emplastos para doenças, extração de dentes, etc. Barbeiros teriam tocado à porta (ou “à margem”) de eventos festivos, fantasiados como podiam e com os instrumentos que conseguiam, músicas instrumentais que teriam sido muito mal executadas (segundo as citações) - daí vários estudiosos apontarem, equivocadamente, que poderiam ter sido os precursores do carnaval, não da música popular brasileira...

Entretanto, teria fugido (talvez do tom de pele dos estudiosos?) que há vários registros também de barbeiros e outros pretos e pardos que teriam tocado em eventos religiosos, dentro e fora das igrejas, inclusive nas Folias do Divino - estas, sim, apontadas corretamente por estudiosos como precursoras dos desfiles de rua. Músicas condizentes ao serviço litúrgico ou apenas para distração dos brancos também eram tocadas pelos pretos, com formações instrumentais reduzidas e nada barulhentas, onde instrumentos chamados de “violas” teriam sido protagonistas.

Outra evidência importante são os expoentes históricos: Gregório de Mattos, o “Boca do Inferno” (muito citado como o mais importante poeta do século XVII) e seu irmão Euzébio de Matos, também poeta e cantador, mas religioso; Domingos Caldas Barbosa, já citado, que fez grande sucesso em Portugal na metade final do século XVIII; Joaquim Manoel Gago da Câmara, também de grande sucesso em Portugal, já no início do século XIX - e o Padre José Maurício Nunes Garcia, músico, compositor, arranjador e regente, que chegou a Mestre de Capela do Império, também no início do século XIX.

Todos pretos, todos tocadores de viola - o que indica que, matematicamente (estatisticamente), se havia tantos expoentes e tantas violas sendo tocadas, teria havido grande atividade daquele tipo de música (exatamente o que apontam os registros sobre batuques - a maior manifestação musical dos primeiros séculos).

Estes expoentes merecem mais homenagens, pelo menos mais citações e detalhamentos - mas aí são outras prosas...

Muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando...   

(João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

PRINCIPAIS FONTES:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. Monografia (Prêmio Pesquisas Secult MG / Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Prod., 2021.

[Gregório de Mattos], Obra poética, 1992.

Rogério Budasz, A Música no tempo de Gregório de Mattos, 2004; 

Carlos Sandroni, Feitiço Decente, 2001;

Rafael Bluteau, Vocabulário Portugues e Latino, 1712

Manoel de Morais, artigo A viola de Mão, 1985

Ernesto Veiga de Oliveira, Instrumentos Musicais Populares Portugueses, 2000[1964]

Juan Bermudo, Declaracion de los Instrumentos Musicales, 1555.

John Stow, Annales, or a Generall Chronicle of England, 1631.

Darryl Martin, The early wire-strung guitar, 2006.

Du Bocage, Manuel Maria Barbosa du Bocage, v. 3, 1867.

Inocêncio Francisco da Silva, Diccionário Bibliographico Portuguez, 1859.

Paulo Castagna, artigo Violas Brasileiras, 2017.

Francisco Topa, Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos, 1999;

José Ramos Tinhorão, História Social da Música Brasileira, 1998.

Manuel P. Rebello, Obras Poéticas de Gregorio de Mattos, 1882

August de Saint-Hilaire:

Voyage dans le district des Diamans et sur le littoral du Brésil, [Tomos 1 e 2], 1833, Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Gerais, [Tomos 1 e 2], 1830 - Voyage dans les provinces de Saint-Paul et de Sainte-Catherine. [Tomos 1 e 2], 1851.

Georg von Langsdorff, Reis rondom de Wereld, in de Jaren 1803 tot 1807, 1819.

Marcelo Fagerlande, Joaquim Manoel Improvisador de Modinhas, 2005;

Louis C. Desaulses de Freycinet, Voyage autour du monde, 1827

Rose de Freycinet, A Woman of Courage, 1817-1820.

Adrien Balbi, Essai Statistique sur le Royane de Portugal et D’Algarve , 1822.

Henry Bates, The Naturalist on the River Amazonas, 1864.

Spix & Martius:

Reise in Brasilien 1817 a 1820,  1823 / Travels in Brazil, 1817-1820, 1824.


MANCHETE DO DIA 24/04/2023


QUEM FOI O MAIOR: TIÃO, RENATO OU BAMBICO?

Viola, Saúde e Paz!

É bem comum na cultura brasileira surgirem listas sobre "o melhor de todos os tempos", "o rei" disso ou daquilo, etc. Não seria diferente no “mundo da viola”. O que muitos não percebem é que estas listas muitas vezes são fomentadas com o intuito de angariar atenção, visualizações, likes, audiência - pois, dependendo do critério utilizado, são apenas polêmicas; na prática, acabam por dividir opiniões de quem, a melhor princípio, deveria somar forças e não dividi-las.

Falar de competição em artes é muito diferente do que em esportes, por exemplo, onde é normal serem medidos números: conquistas, estatísticas. Havendo números específicos de competições a apontar, é outra história. Nas artes, o principal critério de “seleção” acaba sendo o de “gosto pessoal” - que, na verdade, não significa quase nada. Cada um gosta do que gosta por suas razões e escolhas próprias, muitas vezes mascaradas pelo que o mercado quer que se consuma. O mais conhecido (por aparecer mais em divulgações) será sempre considerado “o melhor” por este critério - logo, quem tem algum interesse e poderio comercial pode lucrar também com a criação e divulgação de listas polêmicas, a princípio “inocentes” e “divertidas”.

Fazendo um pequeno exercício, conforme o método descrito no livro “A Chave do Baú”, é curiosa a utilização do termo “rei” nestas circunstâncias, num país ancestralmente ligado à “devoção” onde é comum o apontamento e “endeusamento” de ídolos. “Rei” é uma figura que remete, por exemplo, à Idade Média, onde estes eram considerados “ungidos ou escolhidos por Deus”, talvez porque Jesus Cristo teria afirmado (numa figura de linguagem não muito bem entendida) que teria um “reino nos céus, não na terra”. Ou, talvez, ocorra no Brasil porque nunca tivemos (de fato) um rei - o último que por aqui passou foi quando éramos ainda uma Colônia. De qualquer forma, o termo “rei” remete a tempos antigos, dos quais, para se saber algo mesmo, é preciso ler e refletir - que não é, de forma alguma, a intenção de quem cria, divulga e defende listas polêmicas de comparação. É mesmo bastante interessante observar o fenômeno, à luz de leituras e fontes antigas.

Votar (ou simplesmente pensar) em quem teria sido “o maior violeiro” depende, no mínimo, de conhecimento sobre os violeiros que já existiram. Neste ponto, podemos ajudar, fornecendo algumas informações.         

Entre os mais citados, o mineiro Tião Carreiro - José Dias Nunes (1934-1993) - é o mais conhecido no meio do caipirismo. Genial, teria criado a partir de 1959 - e, com a estrutura de uma grande gravadora, difundido - o hoje famoso ritmo "pagode de viola" (alcunha sugerida por Teddy Vieira, diretor da gravadora). No livro “A Chave do Baú” apontamos, de acordo com centenas de dados levantados, que também após a gravadora começar a utilizar em discos de Tião o nome “viola caipira” (em 1976, LP “É disso que o povo Gosta...”) cresceram muito as citações a este nome, que acabou vindo a se consolidar como o do modelo mais famoso da Família das Violas Brasileiras. Também apontamos, cientificamente, que embora o caipirismo tenha sido inventado no início do século XX, com sugestão de que “sempre teria existido”, o “pagode de viola” e o nome “viola caipira” são novidades consolidadas bem depois, ligadas a ações comerciais, não tendo, portanto, nada de “tradição” (embora muitos defendam isso). É aquela questão de que, para se saber de algo do passado, é preciso ler fontes de época, não os apontamentos modernos posteriores. E refletir sobre os dados lidos, naturalmente.

Já Renato Andrade (1932-2005), contemporâneo e conterrâneo de Tião, não cantava, só solava (fazia a chamada “música instrumental”). Bem menos lembrado pelos defensores do caipirismo, mas muito referenciado pelos que são capazes de avaliar música por conhecimento teórico musical, dá a impressão que poderia tocar o que quisesse na viola (no caso, para nós, que chegamos a vê-lo tocar ao vivo, além dos seus vídeos da internet). Com auxílio do Itamaraty, Renato teria viajado por cerca de 36 países estrangeiros, se apresentando em salas de concerto e mostrando toques de viola em vários de nossos ritmos - além de também em peças eruditas conhecidas mundialmente. Não me lembro de tê-lo visto tocando pagode de viola, mas penso que se quisesse, tocaria com grande maestria, como tudo o mais que fazia na viola. Renato também pesquisava e até aprimorava, às vezes, ritmos e toques antigos pouco conhecidos, colaborando com seus registros para que não fossem totalmente perdidos, esquecidos na História e pelo mercado caipirista.

Ainda mais ou menos na mesma época de atuação, há um que destacamos como um “oásis da aceitação geral” - por ser respeitado e referenciado por quase todos (públicos diversos e crítica): o paulista também genial, chamado “Bambico” - Domingos Miguel dos Santos (1944-1982). Especialista também em gravações em estúdio, tocava sozinho (instrumentais), tocava e cantava em dupla e também parece que conseguiria tocar o que quisesse na viola - no caso, sendo mais difícil avaliar porque não são conhecidos muitos registros dele em estilos diferentes. Sua peça mais conhecida, o "Brincando com a Viola", teria muito a ver com chorinhos, no nosso entendimento... porém, seus registros de atuação junto aos que praticavam o caipirismo lhe resguarda hoje este tipo de lembrança como mais constante de seu nome e de suas qualidades musicais. Em outras palavras: é mais conhecido pelas músicas que o caipirismo mais gosta e mais quer vender.

Quem foi o melhor? Não vemos importância alguma em fazer tal eleição. Entre outros aspectos de suas genialidades, um é importantíssimo para a música de viola de hoje; outro é importantíssimo pela difusão para a viola dentro e, mais ainda, fora do país; e o outro é importantíssimo, entre outras coisas, para a boa qualidade de gravações deixadas para a posteridade - além de, em visão particular, ser muito importante como um dos maiores exemplos de genialidade, pela versatilidade.

Isto sem contar Almir, Tavinho, Gedeão, Goiano, Ivan, Roberto... E vários outros novos valores que vem surgindo nas últimas décadas com altíssimo nível (citar nomes é um problema, pois qualquer lista acaba por ser injusta, de alguma forma). Todos são orgulhos para a viola e para o Brasil: na verdade, cada executante e defensor da viola tem alguma contribuição válida, sempre acrescenta um pouco - por isso, inclusive, cobramos publicamente sempre muita responsabilidade de todos. Que possam pensar além de só ganhar dinheiro (que é lícito, não tem problema), mas que sejam honestos e corretos com a História das violas.

Que bom termos os repertórios de Tião, Renato e Bambico e tantos outros para podermos apreciar como ouvintes, para estudarmos e nos aprimorarmos como tocadores, para termos histórias diferentes para contar / escrever (e também estudá-las). Só poderíamos gostar mais se os três primeiros e principais citados estivessem vivos hoje para tentarmos montar um show com os três juntos no palco, tocando, cantando, deliciando a todos (mas aí já é mais a parte de produtor/gestor falando).

Para não ficar “em cima do muro”, tentaremos responder: seria possível uma competição um pouco mais precisa, mais correta? Tecnicamente, se déssemos aos tocadores um período igual de tempo para estudar uma determinada peça (sabidamente difícil de executar), para que depois a executassem ao vivo, um após o outro, nas mesmas condições técnicas de apresentação, talvez pudéssemos avaliar qual deles cometeria menos erros ou qual apresentaria performance mais vistosa ou criativa. Para avaliar isso, entretanto, é preciso ter conhecimento teórico musical - e não apenas “achâncias”, “gostâncias”, defesas de interesses comerciais e outras motivações.

Também para não ficar “em cima do muro”, que critérios poderiam ser utilizados para escolher entre Tião, Renato e Bambico já que os três já “viajaram fora do combinado”? Poderíamos aplicar o critério de versatilidade, de diversidade, pois isto faz parte das principais características da cultura brasileira. Neste aspecto, apontaríamos ligeira preferência por Bambico, por parecer que tocava e cantava relativamente bem, tanto ao vivo quanto em estúdio - no caso, aplicando nosso conhecimento e experiência em estúdio, onde podemos afirmar que, técnica (e financeiramente), faz diferença. Se Bambico era muito chamado para gravações (como dizem teriam sido também Julião, Goiano e outros), significaria uma expertise a mais, um talento que, num critério de seleção por diversidade de saberes, faria diferença.  

Muito obrigado por ler até aqui... E vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

 PRINCIPAIS FONTES:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. Monografia (Prêmio Pesquisas Secult MG / Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

CARDOSO, Bruno Aragão. A viola embaixatriz de Renato Andrade: contextualização das turnês patrocinadas pela ditadura militar e ponderações sobre a face caipira do violeiro. 2012. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música da UFMG, Belo Horizonte, 2012.

CASELATO, Fernando. As técnicas usadas por Tião Carreiro no pagode: quais as contribuições deste ritmo na viola caipira atual? 2012. Monografia (bacharelado em Educação Musical) – Universidade Aberta do Brasil / Universidade Federal de São Carlos SP, 2012.

CORRÊA, Roberto. Viola Caipira: das práticas populares à escritura da arte. 2014. Tese (Doutorado em Musicologia) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2014.

MALAQUIAS, Denis Rilk. O pagode de viola de Tião Carreiro: configurações estilísticas, importância e influências no universo da música violeirística brasileira. 2013. Dissertação (Mestrado em Música) - Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.

PINTO, João Paulo do Amaral. A viola caipira de Tião Carreiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Música) - Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, SP, 2008.

PEREIRA, Vinícius Muniz. Entre o Sertão e a Sala de Concerto: um estudo da obra de Renato Andrade. 2011. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2011.

SANT’ANNA, Romildo. A moda é viola: ensaio do cantar caipira. 4ª ed. São Paulo: Ed. UNIMAR, 2015.

VILELA, Ivan. Cantando a própria história. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, 2011.

www.tiaocarreiro.com.br]


MANCHETE DO DIA 17/04/2023


CORNÉLIO PIRES e a MODA-DE-VIOLA

 

“[...] A pretesto [sic] de narrar casos e mentiras, registro o linguajar do roceiro, expendo considerações ligeiras sobre as necessidades dos nossos caipiras e procuro dar uma pallida ideia da nossa gente... ”.

(Cornélio Pires, As estrambóticas aventuras do Joaquim Bentinho, 1924).

 Viola, Saúde e Paz!

Para o livro "A Chave do Baú", apesar das centenas de textos que existem sobre o caipirismo, um dos vários "tesouros perdidos" que descobrimos é que Cornélio Pires (1884-1958) pode ter tido ainda outra grande ideia, da qual nunca tínhamos visto ninguém falar. Não sabemos se teria sido intencional ou não, mas sabemos que o empresário era muito inteligente, visionário e atuante por mais de 35 anos, certo? Não admira que suas ideias fossem seguidas - e as vendas de livros, discos e outras coisas comprovam sua fama.  

Pois ao que percebemos - por pesquisar centenas de registros sobre a viola - parece que Cornélio teria juntado dois termos (dois nomes) usados como genéricos pelo menos desde o século XVIII em Portugal: “moda” e “viola”. Ambos eram genéricos, “coletivos” - quer dizer, poderiam ter vários significados: “viola”, para os portugueses, era o nome mais usado para qualquer tipo de cordofone dedilhado portátil e “moda” era (segundo o dicionário mais famoso, o de Bluteau) qualquer tipo de música tocada pelas “violas”... Isso é uma curiosidade que nos ajuda a entender a maneira de pensar dos portugueses daquela época, remetendo às verdadeiras origens das “violas” (as deles e também as nossas) - mas isso podemos detalhar melhor outro dia...

Se Cornélio não "criou", pelo menos "divulgou muito enfaticamente" um novo nome, a partir daqueles dois genéricos antigos: “moda-de-viola” (técnica que consiste da execução dobrada de melodias em duetos, normalmente terçados, tanto por vozes quanto pela viola). A técnica já existiria na verdade há séculos, mas o nome atual, consolidado, entendemos que se deve ao inventor do caipirismo. Não observamos este termo antes do uso por Cornélio nas décadas de 1920-1930 (o mais remoto registro que encontramos foi da própria voz dele, na famosa gravação de Jorginho do Sertão, facilmente encontrada na internet). Mesmo que este nome tenha sido usado antes, é indiscutível o aumento de referências encontradas após os investimentos do empresário paulista - referências que atestamos em centenas de publicações, como os principais jornais da época por grande parte do Brasil - jornais disponíveis, para quem quiser ler, pela internet, no site da Biblioteca Nacional (sorte nossa, da atual geração).

Assim, "moda-de-viola" curiosamente teria se tornado, por sua vez, um novo “genérico popular” (como acontecera aos dois termos originais), que ainda é utilizado após mais de um século. Infelizmente, é muito utilizado como genérico pela falta de conhecimento de muitas pessoas, que não se preocupam com os usos mais corretos e chamam tudo de "moda de viola", ou, ainda, de "moda"... O povo gosta de agir assim e não tem muito hábito de leitura, a gente entende... Aliás, escrevemos sempre e trazemos informações comprováveis por isso, para terem leituras boas à disposição. Se optam por não querer, nada podemos fazer.

O que interessa é que é um fato: Cornélio teria tornado popular o nome “moda-de-viola” - mas não a técnica de tocar daquela forma: ele só teria, inteligentemente, “dado nome para a criança”.

Reflexos da dedicação de Pires quanto às modas-de-viola (e o uso deste nome como genérico) podem ser observados, por exemplo: na década de 1950, Maynard Araújo teria afirmado “[...] não há moda sem viola”; na década de 1960, Biaggio Baccarin, diretor da Gravadora Chantecler de 1961 a 1973, teria afirmado “[...] no início, nos selos dos discos tinham que constar as palavras ‘moda-de-viola’ senão não vendia” - declaração que teria sido feita ao Dr. Roberto Corrêa; e em 1966, Geraldo Vandré teria argumentado sobre a criação, em parceria com Théo de Barros, da música Disparada “com a ideologia da moda-de-viola”, segundo matéria da revista O Cruzeiro, de 12 de novembro daquele ano.

Como se vê, é possível “contar histórias sem ferir a História”, diferente dos “causos e mentiras” de Cornélio. E são histórias interessantes também. O que talvez admire é que ninguém tenha percebido isso antes - mas nós entendemos que a diferença está na metodologia científica que desenvolvemos. Por “metodologia” ser um nome técnico e “chato”, o fantasiamos como “A Chave do Baú” - e as leituras, como “caças aos tesouros” - mas veja que bacana: nem estas fantasias são mentiras: realmente, para quem mergulha no assunto, a metodologia pode se tornar uma chave para abrir vários baús e as leituras realmente podem revelar tesouros como este e vários outros (no livro e mais ainda, na monografia "Linha do Tempo da Viola no Brasil", este resumo foi mais detalhado).

Obrigado por ler até aqui...  E vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

 PRINCIPAIS FONTES (além das já apontadas no texto):

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. Monografia (Prêmio Secult MG / Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez, e Latino. v.8. Coimbra: Col. Artes da Cia de Jesu, 1720.

ARAÚJO, Alceu Maynard de. A Viola Cabocla [compilação de artigos]. Revista Sertaneja, São Paulo, v. 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13 e 14 - de jul. 1958/maio 1959. São Paulo: [internet], 1964.

 CORRÊA, Roberto. Viola Caipira: das práticas populares à escritura da arte. 2014. Tese (Doutorado em Musicologia) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2014.


MANCHETE DO DIA 10/04/2023


3 - VIOLA OU VIOLA?

“[...] nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido quando encarado isoladamente, fora dos seus fenômenos circundantes”.

[princípios filosóficos do filósofo grego Platão (ca.428 aC.-328 aC.), base da Metodologia Dialética, hoje aplicado em vários tipos de ciências nos chamados Contextos Histórico-Sociais]. 

Viola, Saúde e Paz!

Brasileiros e portugueses já estariam acostumados a conviver com dois tipos de instrumentos diferentes chamados de “viola”: uns dedilhados (parecidos com guitarras e violões) e outros, friccionados ou “de arco” (tocados nas orquestras, ao lado de violinos, violoncelos, contrabaixos). Mesmo assim é sempre bom deixar claro sobre qual “viola” estamos a falar, “dedilhada” ou “friccionada”. Iniciamos nossos estudos pelas dedilhadas, mas não pudemos deixar de estudar também as friccionadas, pois é um importante “fenômeno circundante” do assunto - enquanto a maioria dos estudos costumam separar as “duas violas diferentes”. Entendemos que é pela maior amplitude de visão e dados analisados que conseguimos descobrir alguns “tesouros perdidos”.

Há vários modelos existentes de violas dedilhadas, tanto lá quanto cá no Oceano Atlântico: quem ainda não conhecer todos pode baixar gratuitamente PDF que organizamos, disponível no Grupo Facebook“Viola Brasileira em Pesquisa”: todas as violas brasileiras e portuguesas consolidadas atualmente, com número de cordas, afinações mais utilizadas, desenhos, fontes para conferência, etc.

No livro “A Chave do Baú” há desenvolvimentos que fazemos já há algum tempo sobre as mais prováveis razões de existirem hoje dois instrumentos diferentes com mesmo nome - e porque isso acontece só em Portugal e no Brasil; no resto do mundo, “viola” (e similares) é o mais utilizado para friccionados, enquanto que no ocidente a maioria dos dedilhados semelhantes são chamados por nomes similares a “guitarra”.

Não é exatamente simples de demonstrar e talvez também por isso nunca vimos ninguém fazer - porém, não queremos “inventar mais uma teoria”, pois de lendas o mundo da viola já está cheio... Por isso, botamos a cuca para funcionar e elaboramos uma metodologia (um método científico de estudo) que pudesse dar segurança nas afirmações, aplicado em um conjunto de dados e fontes substancialmente grande. Assim chegamos à Metodologia Dialética (que viria do século IV aC., como destacamos no início), mas que tem traços de utilização até hoje, conforme a maioria dos estudos investigados; e uma coleção de registros que ultrapassa em várias vezes as que pesquisamos, inclusive em número de línguas, teorias, tipos de ciências, etc. Para nós, quanto mais fenômenos circundantes, melhor. A “chave do baú” nada mais é do que esta metodologia, descrita e até ensinada na prática em nosso livro - só que narrada em formato artístico, lúdico, como uma “caça ao tesouro”. Porque se não for divertido, não faz sentido para um artista, concorda?

Mergulhamos fundo: para ter segurança era preciso buscar desde as mais prováveis origens das violas (que fazem paralelo com a História dos cordofones ocidentais). Se fôssemos pensar apenas nas violas dedilhadas, as portuguesas apareceriam a partir do século XV, em três registros - onde embora não haja descrições sobre a forma de tocar, entende-se que pudessem ser dedilhadas pela ligação com o canto, em praças públicas e igrejas (teriam sido, inclusive, perseguidas e proibidas - os três registros mais remotos falam disso). O que outros pesquisadores não apontam ter feito, talvez por focarem apenas nas dedilhadas (que é normal de fazer, como comentamos) é que violas já apareceriam também, no mesmo século XV, em publicação feita em latim em Nápoles (Itália), porém teriam sido tanto dedilhadas quanto friccionadas, segundo o respeitado musicólogo belga Johannes Tinctoris (ca.1435-1511). Outra análise que juntamos (que parece também ter sido desprezada pela maioria) é a similaridade do nome VIOLA com VIHUELA - nome espanhol que teria registro nos cancioneiros trovadorescos desde o século XIII e que no século XVI atingiria o auge, assim como em Portugal. Esta similaridade, por sua vez, formos buscar lá no século XII, na origem de uma profusão de nomes similares surgidos em latim, occitano, catalão (línguas que influenciaram o espanhol e o português). Talvez os estudiosos considerem VIHUELAS “instrumentos diferentes” não só pelo nome, mas também por haver registros de terem tido 6 ordens de cordas, como os alaúdes árabes - e considerassem as VIOLAS dedilhadas portuguesas apenas com cinco ordens, como eram as guitarras antigas; mas neste sentido observamos que os registros do séc. XV em Portugal não apontam número de cordas nem outros detalhes. É certo também que não podemos olhar o passado baseados nos dados mais modernos, nas características atuais (quando a maioria das violas aponta ter cinco ordens e não seis).

Dois outros registros, não citados em estudos sobre nenhum dos tipos de violas, nos trouxeram mais luz ainda: um manuscrito escrito em latim, porém identificado com título em espanhol - “Viaje literario à las Iglesias de España”, que por sua vez observamos na “Encyclopédie de La Musique”, em francês - consta que em 1496 um certo Villanueva teria conhecido um mouro chamado apenas de Fulan que teria sido grande instrumentista em “[...] cytharam, violam et his similia instrumenta” (ou seja, “cithara, VIOLA e instrumentos similares”); e outro registro, já no século XVI, onde desde o título de seu método o musicólogo italiano Francesco Milano apontou: “Intavolatura de Viola o vero Lauto” (que traduzimos como “Tablatura de Viola ou [na verdade, de fato] Alaúde”). Neste último caso, com um pouco de matemática básica, conclui-se: se para Milano a VIOLA (dedilhada) era como o alaúde e se para os espanhóis a VIHUELA também era similar aos alaúdes em número de cordas e afinação, então...  VIOLA e VIHUELA eram instrumentos similares.

Ora... (e ainda com um pouco de matemática bem básica): a soma dos registros já citados (de Tinctoris, dos portugueses, de Villanueva e Milano) com outros registros como os mais remotos em estudos sobre violas de arco - Giovani Lanfranco (em 1533) e Silvestro Ganasi (em 1542)-, mais os diversos métodos de VIHUELAS dedilhadas publicados no século XVI e, por fim, o método “El Melopeo y Maestro”, publicado por Domenico Cerone já em 1613 (onde ainda discorre que VIHUELAS seriam tanto dedilhadas quanto friccionadas por arco) -  a soma de todos estes registros nos dão a segurança de perceber que entre os séculos XV e XVI “violas” ou “vihuelas” seriam tocadas das duas formas, tanto na Espanha, quanto na Itália, quanto em Portugal - e que viria dessa época e destas localidades a origem da atual bivalência de nome (apontando que, de todas, as vihuelas espanholas seriam as mais antigas).

Já o fato desta bivalência ter sobrevivido apenas na língua portuguesa, tem a ver com o peculiar nacionalismo português, que também identificamos por dezenas de registros... mas aí já é outra prosa...      

E vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

PRINCIPAIS FONTES:    

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola, de cinco órdenes y de quatro, la qual enseña a templar y tañer rasgado todos los puntos naturales y B mollados, com estilo maravilhoso.Valência: Augustin Laborda, [1596].

BERMUDO, Juan. Declaracion de los Instrumentos Musicales. Madrid, s/n, 1555.

BURNEY, Charles. A General History of Music. v. 2. London: Paternoster-Row, 1782.

CERONE, Domenico Pietro. El Melopeo y Maestro: Tractado de Musica Theorica y Pratica. Napoli: Gargano & Nucci, 1613.

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family. London: Novello, 1883.

GALPIN, Francis W. Old English Instruments. London: Methuen, [1911].

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina. Venezia: s/n, 1542.

GRIFFITHS, John. Las vihuelas en la época de Isabel la Católica. Cuadernos de música Iberoamericana, Madri, v.20, p. 7-36, jul./dec. 2010.

GUNN, John. The Theory and Practice of fingering the Violoncello. Reino Unido: ed. Do author, 1789.

LANFRANCO, Giovani. Scintille di musica. Brescia: Ludovido Britanico, 1533.

LAVIGNAC Albert. Encyclopedie de la Musique et Dictionnaire du Conservatoire. v.6 [Deuxième partie: Technique, Esthétique, Pédagogie; Tome I: Tendances de la musique, Technique générale]. Paris: Librairie Delagrave, 1925

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tesis (PhD Art History) - Faculdade de Geografia e História, Universidad Complutense de Madrid. 1981.

MILANO, Francesco. Intavolatura de Viola o vero Lauto. Napoli: s/n, 1536

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXIIZaragoza, v1, nº1, p. 393-492, jan./dec. 1985.

OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

RIBEIRO, Manoel da Paixão. Nova Arte de ViolaUniversidade de Coimbra:1789.

ROCHA, João Leite Pita da. Liçam Instrumental da Viola Portuguesa. Lisboa: Oficina de Francisco Silva, 1752.

TINTORIS, Johanes. De inventione et uso musicae. [1486].

WEBER, Francis J. A Popular History of Music from the Earliest Times. London: Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co., 1891.


MANCHETE DO DIA 04/04/2023


São Gonçalo

 Viola, Saúde e Paz!

Todo janeiro lendas costumam ser relembradas sobre um “santo” padroeiro dos violeiros (que tocaria viola para as prostitutas dançarem e não irem trabalhar), além de casamenteiro, protetor dos viajantes, dos construtores de pontes e outras atribuições fantásticas. Em Portugal, grande festa em 10 de janeiro principalmente na região de Amarante, onde Gonçalo teria falecido; no Brasil, vários festejos com as Danças de São Gonçalo. Trovinhas antigas são recantadas, ganham-se curtidas nas redes, etc...   

A ligação com as violas e a curiosa constatação de que Gonçalo do Amarante na verdade nunca foi canonizado pela Igreja Católica - sendo, portanto, apenas beato, e só a partir do século XVII - nos levou a pesquisar mais a respeito, num exercício da metodologia que desenvolvemos, citada no livro “A Chave do Baú”. No caso, cruzamos dados históricos sobre o beato-dito-santo com os do nosso maior foco, o nome “viola”.

Á luz de verdades comprováveis, descobrimos várias curiosidades interessantes, não citadas em dezenas de outras publicações - “tesouros”, portanto. Gonçalo, que teria vivido entre fins do século XII e início do século XIII, foi beatificado em 1561 e entrou numa “disputa por canonização” a partir de 1593 com Pedro Gonçalves ou “Pero Gonçalo Thelmo”, galego-espanhol beatificado bem antes (1254) e preferido de Filipe II de Espanha (no período de governo também de Portugal, entre 1580 e 1640). Os portugueses teriam redirecionado a ação também (ou em preferência) ao beato português, e assim nenhum dos dois beatos veio a ser canonizado. Em 1615, o Papa teria esclarecido dúvida ao apontar que Gonçalo teria sido dominicano e a partir daí o culto a ele passaria a predominar, inclusive com a transferência de algumas atribuições anteriores de outros “santos”, como por exemplo a de protetor dos “marinares” (profissionais ligados às ações marítimas), mesmo que Gonçalo só tenha tido registros de viagens por terra.

No contexto nacionalista da disputa, faria sentido também juntar o “beato preferido” às violas - nome de cordofone popular mais usado pelos portugueses. Não foram observadas tais atribuições antes daquela época, nas muitas narrativas sobre a vida inteira de Gonçalo - sem contar que o nome “viola” só tem registros em Portugal a partir do século XV, dois séculos após a morte de Gonçalo.

Sobre ser casamenteiro, a principal relação encontrada seria que a data da Festa de Gonçalo foi designada para tentar coibir o paganismo ancestral das Festas das Regateiras, onde mulheres buscariam graças de casamentos e/ou muitos filhos por meio de demonstrações públicas bem despudoradas, entre elas doces e outros objetos em formato fálico (que representariam a fertilidade). A imagem de Gonçalo então teria entrado nesta “roubada”, passando a ser alvo das fiéis regateiras em atos e orações.

Convenhamos: esta história é tão divertida quanto as inventadas, não? A diferença é que é embasada, tem fundamento em registros de época...

A confusão depois só aumentaria, precisando pesquisar bem e não ter preguiça para entender: em 1621, o Regimento dos Tanoeiros (de Portugal) já se referia a uma “dança pelo dia de S. Gonçalo”; em 1627 teria ganho o título de “Venerável” um que viria a ser o único “santo de verdade” entre três nomes semelhantes: São Gonçalo Garcia (canonizado só em 1827); depois, em data estimada a 1690, o importante jesuíta português Antônio Vieira (1608-1697) parecia fazer uma defesa de canonização ao citar várias vezes “santo, e admiravelmente santo” em seu “Sermão de São Gonçalo” - mas curiosamente citou a possibilidade das pessoas serem “[...] santos sem aspirar a canonização” - o que sem dúvida colaborou com a confusão.

Ou seja: é compreensível o surgimento e divulgação de tantas lendas, por quem não pesquisar com bastante atenção e honestidade, né? Tinha “Gonçalo santo”, “Gonçalo espanhol”, “Gonçalo português”... No Brasil, registros de Festas de São Gonçalo a partir de 1718 (para Gonçalo do Amarante, na Bahia) e em 1745 (para São Gonçalo Garcia, em Pernambuco). Estas festas, depois perseguidas e proibidas, teriam muita adesão pública, com dança nas ruas e violas sendo tocadas - mas não seriam ainda as “Danças de São Gonçalo”, cujo mais remoto registro que encontramos no Brasil no anúncio do jornal “O Cearense”, destacado no início deste artigo.

Sugerir que as “Danças de São Gonçalo” teriam sido tradições brasileiras desde os tempos dos jesuítas, só pela imaginação caipirística (caipirismo que, inclusive, só tem registros a partir do século XX) e, como sabemos, a História não é como gostaríamos ou imaginamos que tivesse sido. Checamos, entre outros, uns muito citados registros de uma dança “d’escudos a portuguesa” registrada em 1583 pelos padres Cristóvão Gouveia e Fernão Cardim, mas além de não haver neles citação a Gonçalo, não haveria muito sentido ligar estes relatos ao beato porque o culto a ele teria sido autorizado há muito pouco tempo - enquanto danças similares existiriam pelo menos desde a expulsão dos mouros (1492), chamadas “autos”, segundo inclusive pesquisas bem detalhadas de Curt Lange. Danças para Gonçalo, portanto, só após o século XVII - e sobre as circunstâncias que já citamos.

Um dado coerente seria a devoção por Gonçalo enquanto protetor dos viajantes, inclusive com várias cidades tendo sido batizadas com seu nome pelo Brasil - vez que registros apontam que ele teria realmente passado muitos anos viajando, tendo peregrinado até Jerusalém (por terra) e, naturalmente, também voltado de lá a Portugal. É bastante chão, não se pode negar de viagens ele deveria entender bem.

A ligação de violas às Danças de Gonçalo (violas que não seriam, jamais, as atuais do modelo Viola Caipira) é importante, pode e deve ser respeitada, preservada e defendida - mas não é necessário inventar nada: as verdadeiras histórias ajudam, inclusive, a mostrar o valor de fatos históricos comprováveis e até, quem sabe, a aumentar o interesse por eles, para que nos acostumemos a não a viver com menos nem sermos enganados.  

E vamos proseando...    

 (João Araújo escreve na coluna Viola em Pesquisa às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor; seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).      

Principais Referências:

ALCÂNTARA, Lúcio Gonçalo de. (org). São Gonçalo do Amarante e o Padre Antonio Vieira. Fortaleza (CE): Labirinto, 2008.

ANCHIETA, José de; PEIXOTO, Afrânio (org.). Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S, J. (1554-1594). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005 [1954].

CARVALHO JÚNIOR, Dagoberto. São Gonçalo de Amarante, o santo que não foi e é. Revista de Portugal – Amigos do Solar Conde de Resente, nº 14, p. 33-46. Vila Nova de Gaia (Portugal), ASCR, 2017.

GONÇALVES GUIMARÃES, Joaquim Antônio. A Festa de S. Gonçalo em Vila nova de Gaia: origens e evoluções de um culto de Mareantes. Revista de Ciências Históricas, v. VII, p. 135-160. Porto, Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1993.

[original gentilmente enviado pelo autor].

GONÇALVES GUIMARÃES, Joaquim Antônio. A Festa de S. Gonçalo em Vila nova de Gaia: Novas achegas para uma análise do culto gonçalvino popular. Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, v. 8, nº 53, p. 17-24. Vila Nova de Gaia, ACAG, 2001.

[original gentilmente enviado pelo autor].

GONÇALVES GUIMARÃES, Joaquim Antônio. A Legenda Cristoforiana na História e na Geografia. In: São Cristóvão Eça de Queiroz. Vila Nova de Gaia (Portugal): Gailivro, 2006.

LA BARBINAIS, Le Gentil. de. Noveau Voyage autour du Monde. Tomo III. Paris: Chez Briasson, 1728.

LANGE, Francisco Curt. As Danças Coletivas Públicas no período Colonial Brasileiro e as Danças das Corporações de Ofícios em Minas Gerais. Barroco 1 – Revista de Ensaio e Pesquisa, p. 15-62. Belo Horizonte, UFMG, 1969.

MOSCHKOVICH Beto et alSão Gonçalo do Amarante. [art. Ind.]. Brasília: s/n, [2013].

OTÁVIO Valéria Rachid. A Dança de São Gonçalo: Re-leitura coreológica e História. 2004. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes UNICAMP – SP, 2004.

[PEREIRA, Nuno Marques]. Compendio Narrativo do Peregrino da América. v. II, 6ª ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira, 1939. 

QUEIROZ, Luciano. As Histórias do Santo “São Gonçalo”. São Paulo, ed. do autor, 2009.

SANT’ANNA, Romildo. Moda caipira: dicções do cantador. Revista USP, São Paulo, n.87, p. 40-55, set./nov. 2010.

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TOLLENARE, Louis François; CARVALHO, Alfredo (trad.) Notas Dominicaes. Tomadas durante uma residência em Portugal e no Brasil nos anos de 1816, 1817 e 1818. Recife: Jornal do Recife, 1905.


MANCHETE DO DIA17/06/2013


   Categoria Professor de Viola - Cleber Vianna

Trecho da cerimônia de entrega do Prêmio Rozini 2013 - Excelência da Viola Caipira, Categoria Professor de Viola Caipira, onde foram brindados com Troféus e Diplomas, os violeiros Cleber Tomás Vianna, O Homem da Viola | Palco MP3, Corvo Campeiro e Daniel Viola. O vídeo faz parte do DVD Prêmio Rozini 2013 da Excelência da Viola Caipira, patrocinado por Viola Urbana Produções, na pessoa do seu diretor, João Araújo, e está sendo presenteado aos clientes e amigos por ocasião dos primeiros 10 anos da Pesquisa Viola Urbana. 

Música do início: Manhã de primavera chamamé de Santiago e Cleber Tomas Vianna da Casa dos Violeiros. Salvador - Bahia

Local: Memorial da América Latina
data: 17/06/2013
Promotores: Viola Urbana/IBVC/Rozini

Contato: Fone:(71) 9986.0772

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